“Qualquer filme da sessão da tarde é mais interessante do que isso aqui.” Esse foi um dos vários pensamentos aleatórios que me vieram à mente enquanto o corpo do meu parceiro de ocasião fazia um vai e vem em cima de mim e suas mãos seguravam o telefone. Sim, o telefone. Sua boca, que podia estar ocupada com coisas muito interessantes, falava sobre o conserto de uma televisão e os meios de pagamento. “É sério que ele precisa atender essa ligação agora que os meus peitos estão na cara dele?”.
Era a nossa primeira transa depois de duas semanas de um flerte intenso e toda a expectativa de um orgasmo tinha ido por água abaixo em menos de cinco minutos. O clitóris, coitado, nem foi lembrado. Tédio parecia uma palavra fraca para descrever a cena e eu já estava imaginando um jogo de xadrez no teto, tal qual a protagonista de O gambito da rainha. “Será que valeu a pena me depilar, fazer cabelo e comprar uma roupa nova para isso? Não era melhor ter ficado em casa maratonando La casa de papel?”.
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A coisa não melhorou depois que ele desligou a chamada imprescindível. Uns movimentos estranhos, tudo meio morno e eu fingindo orgasmo para acabar logo (sim, sou dessas). A cada suspiro dele, eu pensava em alguma cena de sexo dos filmes da Angelina Jolie. Ela na banheira com o Antonio Banderas, ela quebrando a casa com o Brad Pitt… Estaria eu fantasiando com a Angelina ou idealizando uma transa que só existe em Hollywood? Não sei.
Só sei que assim que ele cansou, me fiz de mocinha de filme adolescente e lancei o famoso “foi ótimo”. Eis que o cidadão me solta uma frase que só o roteirista mais medíocre ousaria escrever: “Se hoje eu transo bem, foi porque aprendi a entender os desejos do corpo feminino”. Naquela altura, eu já não sabia se estava presa numa tragédia ou numa comédia, mas queria o meu Oscar de melhor atriz pela performance de mulher satisfeita.
E se sexo for TÃO legal quanto várias coisas, mas não MAIS legal do que todas as coisas?
Saindo da casa do inimigo do prazer, com quem eu nunca mais me encontraria, passei o caminho inteiro com várias perguntas martelando na minha cabeça: será que sexo é mesmo esse suprassumo social? Porque não podemos assumir que, às vezes, é mais prazeroso comer uma pipoquinha com manteiga no sofá? Não é melhor assistir Friends pela décima vez do que priorizar encontro atrás de encontro na expectativa de uma transa apaixonada como as de cinema? E se sexo for TÃO legal quanto várias coisas, mas não MAIS legal do que todas as coisas?
A gente tem que assumir que, vez ou outra, dá ruim.
Entre as minhas amigas, não faltam histórias com plot twists hilários. Desde o cara que recitou poesia no meio do ato a parceiros que não sabem limpar os próprios instrumentos, passando pelo inconveniente de uma ejaculação dentro do olho. Ainda assim, insistimos na ideia popular de que transar é a melhor atividade que existe no mundo. Estamos mentindo para quem?
O que eu sei é que é difícil dizer tudo isso num mundo apinhado de músicas, filmes, aplicativos e reality shows que põe pressão pra gente transar.
Transo se eu quero e não porque o mundo disse que somos mulheres livres e mulheres livres transam.
Dessa transa fatídica eu fiquei com o alívio de perceber que não preciso me encaixar nesse padrão transante, onde sexo é coisa pra fazer no mínimo uma vez por semana, a qualquer custo, de qualquer jeito. Hoje, só transo se achar que a pessoa vale muito a pena. Transo se eu quero e não porque o mundo disse que somos mulheres livres e mulheres livres transam. Não: mulheres livres fazem o que querem, inclusive trocar sexo por filme.
Falemos a verdade, porque o mundo precisa dela: tem transas que não valem uma comédia clássica dos anos 1980! E tem dias que é melhor mesmo ver o filme da Xuxa contra o baixo astral do que ter que lutar contra o baixo astral de uma transa ruim.
* Giulianna Palumbo é escritora, roteirista e produtora editorial. Entre um texto e outro, acende um incenso, medita, lê fofocas na internet e assiste à comédias nacionais dos anos 2000 ingerindo carboidratos.