No momento, muita gente está envolvida no que é emergencial, se voluntariando, arrecadando doações e doando – a mobilização brasileira para ajudar o Rio Grande do Sul nas enchentes tem sido tocante. Mas é fundamental olhar também para uma esfera mais ampla e a longo prazo. Precisamos falar sobre políticas públicas e como o país vai enfrentar os efeitos das mudanças climáticas.
Muitos desses eventos climáticos podem ser previstos e não faltam pesquisas científicas que apontem caminhos. Até ontem, isso podia parecer algo distante para muitas de nós, mas, agora, está bem claro que esse problema é nosso. Se queremos nos proteger e proteger aos nossos, vamos precisar de letramento climático e ter na ponta da língua (e da urna) o que devemos exigir.
“Precisamos de políticas públicas dentro dessa nova realidade climática para falhar menos”
Hugo Fernandes, cientista e professor da Universidade Estadual do Ceará, reforça que o tema precisa vir para o centro da mesa. “A questão ambiental ainda é vista como secundária, quando, na verdade, a economia e a política deveriam girar em torno dessas demandas ambientais. Como estamos vendo, é uma questão de sobrevivência”, pondera.
Não faltam políticas públicas e projetos de leis no âmbito estadual e federal que contemplem questões climáticas, o problema é que falta de execução. E Hugo é categórico quanto a esse descaso, garante que não executar o que já temos e não avaliar os estudos climáticos que mostram as mudanças iminentes nos levará a um sofrimento também econômico.
“Precisamos entender que o não atendimento dessas políticas públicas leva a uma economia em déficit. São muitas pessoas desabrigadas, que perderam tudo, estão com fome, com sede e também consequências econômicas com relação a alimentos que vão ficar mais caros como arroz, grãos e carne”, diz Hugo. Ou seja, não é o clima. São as condições de vida e a economia que estão em jogo.
Segundo a estimativa da Confederação Nacional de Municípios, o prejuízo do desastre ambiental é de R$ $1,3 bilhão em prejuízo para agricultura e pecuária do Rio Grande do Sul até este momento. E o estado representa 71% da produção nacional de arroz, e é um dos principais fornecedores do trigo, frango e carne.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa que trabalha com a aceleração de políticas climáticas, faz coro: “É uma questão coletiva. Precisamos de políticas públicas dentro dessa nova realidade climática para falhar menos”, diz. Pra ficar bem claro, ela traz exemplos do que já é feito em outros países. “Em Miami, onde estão sofrendo com marés altas, fizeram uma elevação das calçadas. Na Holanda, muitas cidades são flutuantes e, em Moçambique, quando um cidadão quer construir uma casa, recebe orientações sobre os riscos daquele local, qual material deve usar e o que deve fazer”, conta.
Na prática e na ponta da língua
Hoje, estamos falando de redução de danos, mas são ações que podem evitar muito sofrimento e manter a população a salvo.
Uma das coisas que evita enchentes, por exemplo, é a manutenção da vegetação nativa, que serve como barreira natural para escoamento de água. São chamadas de zonas de amortecimento para chuvas intensas. “Ela é uma solução climática muito barata”, enfatiza Natalie. “As terras indígenas estão também sujeitas a esses extremos, mas elas são uma forma de manter a preservação da natureza que faz essa barreira”.
Outra coisa que precisa estar no nosso horizonte é a troca dos combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis. Aqui, uma breve explicação da National Geographic Brasil: “As plantas em decomposição e outros organismos, enterrados sob camadas de sedimentos e rochas, levaram milênios para se transformar em depósitos ricos em carbono, a isso chamamos de combustíveis fósseis. Estes combustíveis não renováveis, que incluem o carvão, o petróleo e o gás natural, fornecem cerca de 80% da energia para o mundo inteiro. Eles fornecem eletricidade, calor e transportes, ao mesmo tempo que alimentam os processos de fabrico de uma enorme variedade de produtos, do aço aos plásticos”.
O que acontece é que quando os combustíveis fósseis são queimados, liberam dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa. Eles retêm o calor na atmosfera e são os principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas. “Se a gente não fizer muito rapidamente a transição das fontes fósseis para as renováveis, vamos alimentar cada vez mais esse tipo de extremo, e principalmente o Rio Grande do Sul, em que sua economia é o carvão, o que não é nada benéfico do ponto de vista ambiental”, pontia Natalie.
“A população está em risco. Estamos criando vários problemas futuros”
Também precisamos ficar de olho em como e onde estamos investindo em infraestrutura. Principalmente com relação às populações mais vulneráveis, que comumente (e não por acaso) ocupam locais de alto risco. E não são ocupações ilegais, não: “Temos construído habitações sociais, como ‘Minha Casa e Minha Vida’ em lugares de risco, sem adaptação para o clima. A população está em risco e estamos jogando dinheiro fora porque essas infra estruturas não estão preparadas para desastres climáticos. Basicamente, estamos criando vários problemas futuros”.
A manutenção das florestas em pé é outra coisa essencial para que consigamos remover o CO2 do ar, mas hoje já se fala em plantio em massa para que esse trabalho seja reforçado. Ou seja, lutar por desmatamento zero é uma premissa.
E aí, pronta para lutar por um futuro melhor?