O que faz seu coração mudar de compasso?
Para Carolina, Gilberto Gil encabeça essa lista. “Uma espécie de humano-entidade, coisa que eu nem sei se existe, a não ser que seja o próprio”.
Sento pra escrever. Quase sempre amanheço com o texto pronto, mas hoje não foi assim. Quero falar sobre tudo e não quero falar sobre nada. Estranho. Vasculho a cabeça, na parte das memórias recentes, ponho a mão no peito, como que pra conferir o que faz minhas batidas cardíacas mudarem de compasso, lembro do Gil.
Tem a doçura e a sabedoria, espalhadas por toda e qualquer aparição
Era domingo e estava frio. Alias, tava chovendo… e muito. Quais são mesmo as coisas que não se faz em dias chuvosos? Ir a um show ao ar livre certamente encabeça a lista, mas eu pulo. E parto pra tudo o que tenho que ler e fazer antes de sair, com aquela sensação pré-festa, quando tudo fica inevitavelmente modificado, porque afinal de contas, esperar pela festa é muitas vezes melhor do que a própria festa. Mas quando se trata de Gilberto Gil não é bem assim. Simplesmente, não há esse risco. Você que me lê pode não gostar dele, é difícil, mas não é impossível, então bora lá.
O Gil não é só o Gil, e aqui eu espero que você concorde. Ele é uma espécie de humano-entidade, coisa que eu nem sei se existe, a não ser que seja o próprio. Não bastasse tudo que ele criou, com uma discografia repleta de obras-primas, tem toda uma vida, que não caberia num livro. Tem a família, que é um acontecimento. Tem a passagem pelo ministério da cultura, com direito a batuques de Kofi Annan numa assembleia da ONU – que se não foi a abertura mais bonita justo por isso, é no mínimo histórica.
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Tem a doçura e a sabedoria, espalhadas por toda e qualquer aparição dele. Tem os oitenta anos, até aqui comemorados com doc-sensação, turnê com a prole, e show no Rock in Rio – mais uma vez. Ah, foi bonito demais, como tudo que ele é e faz. Ver que ele não tem idade quando sobe no palco, não porque pareça jovem, mas porque não se compara com nada, é etéreo, coisa que torna o ato uma experiência tanto hipnótica quanto sensorial.
Admirar os filhos todos, juntos, cada um com seu talento, dois deles (Preta e José) emocionados com a camisa do irmão morto, justamente pra não deixar que ele fique de fora, mesmo não estando mais aqui. Ouvir o neto Francisco, dono da voz rouca mais bonita e afinada do mundo. Chorar com a emoção da Flor, que aos treze anos me canta garota de Ipanema num pós-pranto arrebatador. Olhar pra coxia abarrotada de mais filhos, netos, bisnetos, mulher, amigos, todos cantando em uníssono os hinos escolhidos pra estarem ali. É a celebração da vida em arte, ou arte em vida, já não sei mais. E se eu acordei sem saber o que escrever, vou dormir com a certeza de que pra além do nada, há sempre o que faz nosso coração pulsar. Como o amor. Como o Gil.