Manuela Dias: "A morte reorganiza tudo" - Mina
 
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A morte e o seu poder de reorganizar o que importa

A rotina corrida da autora Manuela Dias foi interrompida pela morte de uma amiga, o que a fez repensar sobre prioridades, gasto de energia e tempo

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Eu estava bem estressada semana passada. Sabe como é a vida: tudo ao mesmo tempo agora. Fazendo três trabalhos, todos os prazos pra ontem, só produto importante, nada podia dar errado. Ao mesmo tempo, tenho que fazer o dever de casa com minha filha de sete anos – já pensando por que a escola manda dever, se é período integral.

A cada noite, devendo um pouquinho mais de sono pro meu corpo. Mas aquela uma hora e meia, depois que todos dormem, é quase todo tempo que tenho pra mim. E o trânsito? Peloamordedeus! Sem falar que a maldita geladeira entrou em sistema de quite quitting e não gela mais. O cara veio duas vezes e também tem o problema lá do advogado que eu tenho que preencher o formulário… e aquele outro que… Até que toca o telefone. Alô? 

Morreu uma amiga. 46 anos. Mulher incrível, uma guerreira. Criava e sustentava a filha sozinha. Cuidava da mãe e do pai, doente, sozinha também porque seu irmão nem no Brasil mora. Olhei minhas mensagens com ela nos últimos meses. Nosso diálogo parecia um relatório médico. “Hoje estou com uma dor de cabeça…”. “Sério, tô exausta!”. “Nossa senhora, é tanto problema que o refluxo tá pegando”. 

Infarto fulminante. 

Eu só pensava na filha dela, oito anos. De repente, não sabia mais se estava pensando na filha dela ou na minha. O cotidiano desequaliza as importâncias da vida. Meu deus, o que eu estou fazendo com a minha vida?

Contra a morte não existe ilusão. Só o que existe importa

Quando a morte passa perto da gente, ela reorganiza tudo. Não existe trânsito, não existe geladeira, não existe roupa, não existe quase nada. Apenas o que resiste a essa visita ceifadora deveria ter o poder de nos abalar realmente. 

Existem os filhos, mãe e pai, alguma família. Existem os amigos, esses existem e nos fazem existir. Existe a viagem que quero fazer com minha mãe e minha filha. O jardim existe e precisa ser regado. Existe a saúde, essa suave garantia. 

A ilusão do desempenho é um jogo de espelhos do mundo capitalista, mas contra a morte não existe ilusão. Só existe o que importa.  Moral da história? Vamos nos cuidar e aproveitar esta vida. Não teremos outra para viver o que deixarmos para trás.    

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