Carolina Dieckmann escreve sobre o luto após o fim de Vai na Fé - Mina
 
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Se despedir de um personagem é um tipo de luto 

Carol Dieckmann retoma a sua coluna na Mina após o fim de "Vai na Fé" e relata o processo dolorido de se despedir de uma personagem e redescobrir a rotina: "A sensação de abandono tá tatuada em cada minuto dos meus dias"

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Não. Eu não queria voltar como se nada tivesse acontecido.  Sim. Aconteceu; uma novela passou em cima de mim. E, no meio dela, eu pedi um tempo daqui. 

Fazer uma personagem, estudar, se entregar, gravar… Já seria suficiente pra dar aquela chacoalhada no cotidiano, deixar a casa sem chão e os cabelos em pé. Mas vamos colocar mais um ingrediente nesse caldeirão? Um texto específico, complicado, e cheio de termos jurídicos. Algo com o qual eu não tinha
a menor intimidade, e por que não dizer… pânico? 

Desde pequena, sempre tive bastante dificuldade com esse tema. Injustiça é a palavra que mais me aflige. Fora que, todas as vezes em que estive na presença de um advogado, eu só pensava em como fugir dali. 

Pois bem. Meu papel era fazer a melhor advogada criminalista deste país, e que, ainda por cima, era professora de direito numa faculdade importante. Eu tinha motivos de sobra pra sofrer… e sofri.

Sofri com o texto, com o meu perfeccionismo virginiano, com as inúmeras vezes que voltava falas sem nunca ficar satisfeita, e também com a necessidade de diminuir a carga de compromissos assumidos além da novela…

Lumiar, se foi pra sempre, e levou com ela um pedaço imenso e lindo de mim

E esse nosso ponto de encontro na MINA entra aqui. Sendo assim, depois do fim da novela, agora era a hora de voltar.Fiquei pensando muito no que dizer. Afinal, o combinado com essas linhas é ser sincera, vir de dentro, e eu nem tenho intenção de escrever sobre nada que não esteja profundamente identificado com o que eu sinto.

E a verdade é que sigo sofrendo… Já ouviu falar em ninho vazio? Uma personagem, quando acaba, é forte e doído. E, guardadas as devidas proporções, é tipo filho saindo de casa, tipo gente indo embora do mundo. É alguém que você encontra todo dia, intimamente…  Ama, veste, chora, ri, beija e, de repente, de um dia pro outro, se despede, sem volta.

Lumiar se foi pra sempre e levou com ela um pedaço imenso e lindo de mim. Sumiu com a minha resiliência, esforço, garra… E um monte de colegas que sabe Deus quando vou encontrar.  Mas ela não é a primeira e não há de ser a última. E é hora de sentir esse vazio com coragem… Ficar entediada, achar que nada mais vai ser tão legal, e esperar passar. É um tipo de luto, e a gente sabe que só o tempo é capaz de aliviar.

Escolhi escrever que estou assim. Que me sinto sem muita vontade de fazer nada. Que acordo e durmo tentando ler algo legal, encontrar gente que eu amo, botar a vida e a casa em dia, dar atenção a tudo que eu tava com saudade e que, de vez em quando, me sinto até feliz. Mas essa sensação de abandono tá tatuada em cada minuto dos meus dias. 

Vai passar. Às vezes eu até acho que passou. A gente sabe como é, né? Dias melhores entrelaçados em dias piores, até que os melhores vencem em quantidade, e a distância da dor faz ela ficar pequenininha, lá no horizonte. Só sobra a saudade.  Essa, eu nem quero curar. E de mãos dadas com ela, eu voltei.

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