Quando nasce um pai? - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

Quando nasce um pai?

A revolução masculina acontecerá no dia em que os homens assumirem o trabalho do cuidado. E existem exemplos de sobra de que isso começa com a licença paternidade

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Dizem que quando nasce um bebê, nasce também uma mãe – e a tal culpa por não dar conta de tudo que esperam dela. E o pai, quando é que nasce? A verdade é que assim como o maternar não acontece apenas com o gestar e dar à luz, a paternidade também é um vínculo que precisa ser construído através do cuidado

A ideia desta maternidade, em que uma mulher é a única responsável pelos filhos, é uma construção bem recente, como mostra Vera Iaconelli no livro Manifesto Maternalista. E, nos tempos atuais, ela já não se sustenta mais. As mulheres ocupam cada vez mais espaços no mercado formal de trabalho e são líderes de 50% dos lares brasileiros e estão exaustas com as jornadas infinitas. 

Um terço dos pais no Brasil sequer tiram os 5 dias previstos pela legislação

Hoje no Brasil temos, estatisticamente, dois tipos de pai: o que abandona e o que não cuida. Só em 2023 foram 172 mil bebês registrados sem o nome do pai, quase 8% do total de nascimentos e um aumento de 25% em sete anos. Em média, mulheres dedicam 10,4 horas a mais por semana que os homens aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas. 

Mas existe um projeto de lei tramitando no congresso que pode ser um primeiro passo para mudar este cenário: a ampliação da licença paternidade. O PL 3773/2023 propõe a ampliação da licença-paternidade e a criação do salário parentalidade para até 75 dias e foi  aprovado recentemente na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. 

Atualmente, a licença paternidade no Brasil é de (inacreditáveis) 5 dias corridos. Algumas empresas que participam do programa Empresa Cidadã oferecem 30 dias de licença, outras têm até 3 meses como benefício, mas são exceção e não regra. E os números são bem ilustrativos aqui: um terço dos pais no Brasil sequer tiram os 5 dias previstos pela legislação, segundo pesquisa do Instituto Profundo, incorporada ao estudo “Helping Das Care”. 

Os especialistas são categóricos: este tempo é insuficiente para a formação de vínculos entre pai e bebê. O mesmo estudo aponta que, em todos os grupos de renda, faixa etária e em todas as regiões do país, os pais que tiram licenças mais longas tiveram mais saúde mental, mais satisfação com a vida e com o trabalho, além de uma maior participação nas tarefas domésticas e melhorias nas relações familiares.

Muitas pessoas acreditam que os homens não têm aptidão para o cuidado, mas será que eles tiveram a chance de aprender? As mulheres também não nascem sabendo, mas passam mais tempo de licença e, com isso, vão aprendendo sobre as necessidades das crianças e fortalecendo laços. A vontade de cuidar parece existir nos pais, já que 76% dos brasileiros concordam que o direito à licença-paternidade deveria ser maior (Datafolha, 2023) e 74% dos homens desejam participar mais ativamente das tarefas de cuidado com os filhos (Bepantol e IBOPE, 2020).

Os países com menor desigualdade de gênero no mundo tem isso atribuído fato é atribuído às políticas de licença parentalidade

A Coalizão Licença Paternidade (CoPai) foi criada em defesa da regulamentação da licença paternidade de forma ampliada e obrigatória. Leandro Ziotto, fundador da CoPai, defende: “A Licença Paternidade não será a solução mágica e automática para a sobrecarga mental, física e emocional das mulheres, mas é um primeiro passo importante e simbólico, pois mostra pra sociedade que cuidar também é um trabalho fundamental para nossa sociedade. Nós, homens, precisamos entrar na equação, se não a conta não fecha pra ninguém, mas fecha menos ainda para as mulheres.”

Sonhar com uma nova paternidade e uma maternidade que não seja sinônimo de sobrecarga e vulnerabilidade é possível. Alguns países já avançaram muito em legislações que distribuem por todos a tarefa de cuidar de quem acabou de chegar ao mundo:

  • Na Suécia, os pais têm direito a 16 meses de licença parental. Esse um ano e quatro meses pode ser dividido entre pai e mãe, sendo que no primeiro ano recebem 80% do salário. Eles também podem transferir parte da licença para os avós, que passam a ser pagos para cuidar dos netos. 
  • Na Noruega, a licença parental é paga com salário integral pelas primeiras 44 semanas (cerca de 11 meses) ou a 80% se os pais optarem por 54 semanas (um ano e duas semanas). Para incentivar ambos os pais a participarem, os homens devem tirar pelo menos seis semanas de licença ou a família corre o risco de perder os pagamentos pelo mesmo período. 
  • Na Islândia, pais e mães têm direito a três meses de licença para cada um, além de três meses adicionais para serem compartilhados.

Islândia, Noruega e Suécia são os países com menor desigualdade de gênero no mundo e grande parte deste fato é atribuído às suas políticas de licença parentalidade e cuidado com as crianças. 

Existem algumas poucas empresas no Brasil que seguem essa tendência mesmo sem a recomendação de uma lei. Trabalham com o conceito de licença parental igualitária, independente se é pai ou mãe. E é tão inovador quanto assustador. Tem muita gente que tem preconceito com pai que sai de licença. 

Mas quem usufruiu do benefício garante que só tem vantagem: “A rotina foi bem exaustiva, especialmente nas madrugadas dos primeiros meses. Estar presente nesses momentos, sem a preocupação com o rendimento no trabalho no dia seguinte, fez uma diferença enorme. Graças à licença, também consegui criar uma proximidade enorme com a minha filha e isso fez com que ela ficasse bem menos dependente da mãe”, conta Daniel Neme, Copywriter da agência AKQA Casa. Ele tirou 6 meses de licença paternidade já que essa é política da empresa.

Leandro Ziotto convoca para a revolução dos homens: “A revolução das Mulheres foi para fora, na conquista de direitos e espaços. A revolução do homem será interna, se posicionando nas suas relações sociais, familiares e profissionais. E esse caminho passa necessariamente por ir pra casa e assumir as atividades de cuidado e também domésticas. Porque, se você não faz, alguém está fazendo por você, e provavelmente é uma mulher.” 

Essa revolução começa cobrando os deputados para colocarem em votação e aprovarem o PL 3773/2023. Uma nova legislação de licença paternidade é o presente de dia dos pais que todos nós merecemos.

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