Letícia Vidica: O poder transformador das viagens - Mina
 
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Atenção, tripulação: preparar para a decolagem

Nossa colunista Letícia Vidica sente o corpo todo arrepiar ao ouvir essa frase. A seguir, ela descreve como uma viagem é capaz de movimentar um mundo dentro de nós.

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Ouvir “eu te amo” é muito bom, mas “apertem os cintos, preparar para a decolagem” é melhor ainda. E não é só no avião, mas também no busão ou no carro. Para quem, como eu, gosta de viajar, a sensação de colocar o cinto e seguir rumo a um destino (muitas vezes) desconhecido chega a beirar um orgasmo múltiplo tamanha adrenalina. 

Herdei esse gosto do meu pai, seu Benê. Ele me dizia: “Podem tirar tudo de você menos o seu conhecimento”, pois acreditava que viajar era uma forma de absorver um tesouro que ninguém te rouba. Como boa ouvinte, absorvi o mantra. Cresci com meu pai sincronizando as férias do trabalho com as escolares para a gente cair na estrada. E, assim, fui entendendo o significado e o poder que uma viagem tem. 

Não importa o destino: a poucos quilômetros, outra cidade, outro país ou outro continente. Viajar tem um poder transformador. E pode ser engraçado também. Foi numa dessas, por exemplo, que descobri porque Cabo Frio se chama Cabo Frio. Quando pulei na água em alto mar durante um passeio entre Arraial do Cabo e Cabo Frio, o mar quase me congelou, fazendo jus ao nome da cidade. Aliás, esse foi meu primeiro salto em alto mar. 

Mas tem uma coisa que importa, pra viagem ser boa é preciso ser uma boa viajante. E pra mim, isso envolve planejar o roteiro, marcar os destinos no mapa, pesquisar sobre o local antes de chegar, ler comentários e resenhas sobre o destino, lista do que fazer por lá, onde comer, o que não podemos deixar de visitar… 

Viajar dá sempre aquela sensação de que alguns problemas são realmente pequenos

Sim, as preliminares da viagem me encantam muito. Pausa dramática: ok, sou virginiana. Mas acredito mesmo que a gente já começa a viajar antes de chegar lá, quando imagina o que nos espera. Quantas viagens começaram a partir de um sonho que parecia distante, mas, de repente, me vi em frente aquilo que imaginei? Inúmeras.

Além disso, sempre acreditei que quem faz a viagem ser boa é a vibe que a gente carrega para o lugar – as companhias certas podem ajudar muito nisso. Tenho hoje um parceiro que topa qualquer pé na estrada. Adoramos desbravar os lugares, conhecer gente nova, colecionar tesouros. E como isso nos renova! Mas também já coloquei muita mochila nas costas e embarquei sozinha para diversos destinos.

“Nossa, mas viajar sozinha?”, sempre questionam sobre isso.  Não há mal nenhum em sair desbravando o mundo com celular na não, mapinha no GPS e apreciando a própria companhia.  Viajar sozinha é, de certo modo, testar seus limites, seus medos e conhecer você mesma. E isso não significa que a viagem seja solitária. Tem amizade que fiz, inclusive, quando não queria fazer amizade com ninguém. Como em Montevideo, quando viajei entre Natal e Ano Novo para me curar de uma ressaca afetiva. A questão é que eu não me isolei numa cabana, reservei um albergue. Quer lugar mais perfeito para socializar? Fica a dica! E num desses cafés da manhãs conheci o Pierre, que planejou pouco sua viagem e literalmente se jogou no meu roteiro. No início, relutei, mas depois resolvi me abrir pras oportunidades que a vida oferece. Virou uma bela amizade que carrego até hoje.   

Outro ponto a favor da partida é que viajar expande os seus horizontes e dá aquela sensação de que o mundo é realmente enorme e alguns problemas são realmente pequenos. As coisas ganham outra proporção com o pé na estrada e novos significados também, como qual é a definição de felicidade para cada um. Que sensação excitante a de estar numa estrada na ansiedade do destino final, a paisagem passando pela janela, a brisa batendo na cara… Que rico encontrar uma praia nova no meio do caminho, comer uma comida regional, jogar conversa fora com as pessoas do lugar, visitar um museu, um parque, admirar uma vista e, ah, conhecer gente nova. 

Toda vez que retorno de uma viagem sinto que volto diferente. Aquele destino mudou algo em mim – e o caminho que fiz para chegar até ele também. É como se me recarregasse e voltasse com energia nova para casa. Sempre com a sensação de quero mais. Quero mais destinos, quero mais conhecimento, quero mais dessa adrenalina e dessa sensação excitante de fazer as malas, colocar o pé na estrada e apertar os cintos. 

E antes de terminar, é preciso que fique claro que não estou desmerecendo o amor. Amo o amor, amo ser amada e ouvir que sou amada. Mas a comparação entre o “eu te amo” e o “apertem os cintos” não está aqui por acaso. Descentralizar nossa busca pela felicidade é necessário. Cada um ama a sua maneira, cada um é feliz à sua maneira, cada um sente o arrepio na espinha a sua maneira. Pra mim, apertar os cintos é mais uma dessas maneiras. Romance é bom,  amar também, mas podem existir também outras formas da gente viver o tal arrepio na espinha e olhar a vida de forma diferente. Então, acredite, viajar é maravilhoso. Bora fazer as malas?

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