Atriz Juliana Caldas fala sobre nanismo - Mina
 
Seu Corpo / Arquivo Pessoal

Juliana Caldas: “O teatro foi minha melhor terapia, eu era realmente aceita”

A atriz, de 37 anos, nasceu com nanismo e conseguiu construir sua autoestima e uma carreira relevante – teve um papel importante numa novela da Globo. Mas teve também que trabalhar ao lado da Branca de Neve. Através de cinco fotos, ela fala de carreira, ressentimentos e sexualidade

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Quando apareceu na tela da novela das oito para interpretar Elena, em O Outro Lado do Paraíso, Juliana Caldas trouxe para si os holofotes. Foi a primeira atriz da teledramaturgia da Globo com nanismo a ter um papel – e ele era relevante. Sua mãe, interpretada por Marieta Severo, era uma das personagens principais e reproduzia falas e atitudes capacitistas, abrindo oportunidades para discussões sobre o tema. Hoje, ela avalia que sua participação “foi muito importante, mas não houve continuidade”. Para Juliana, é preciso ter pessoas com deficiência atuando constantemente, “para que seja algo educativo”, diz. 

Sua carreira, que começou a ser construída na adolescência, vem do teatro, onde ela sempre se sentiu incluída. “Foi minha melhor terapia.” Ali ela pôde conviver com pessoas diversas, como não acontecia muito na rua ou na escola. “Apesar de ser aceita por meus amigos e familiares, sem ter tido problemas de rejeição, foi nos palcos que me encontrei plenamente”, conta. Juliana conversou com Mina sobre as mudanças do corpo na adolescência, inclusão, autoestima e sexualidade e contou sua história através de cinco fotos que marcaram sua vida. 

Aos 6 anos, em um almoço de família com avó, bisavó, mãe e irmão | Arquivo Pessoal

“Quando começaram as paqueras, me liguei que só rolava com os outros”

Juliana Caldas nasceu em uma família paulistana de classe média, que tinha uma fábrica de salgadinhos em casa. “Nesse dia deveria ser alguma comemoração ou almoço de fim de semana e meu pai estava em casa, mas hoje não tenho mais vínculo com ele”, conta. O pai também tinha nanismo e, por isso, sua deficiência não teve tanta importância na infância. “Eu convivia com ele e com amigos dele que também tinham nanismo. E, nesta idade, de cinco, seis, anos, não havia muita diferença de tamanho com as outras crianças, então não era uma questão.”

Juliana diz que percebeu que era diferente por volta de 11, 12 anos, na escola. “Passei a ser sempre a menor e comecei a entender. Mesmo assim, me questionava por que para os outros era estranho se para mim e minha família era algo natural, sempre conversado sem tabu”, recorda. Os colegas de escola a aceitavam numa boa e ela diz que nunca sofreu bullying. “Mas meus amigos me superpotegiam e eu reforçava que não precisava exagerar. Quando começou a época das paqueras, me liguei que rolava com os outros, mas pra mim não: sempre escutava a desculpa “gosto de você como amiga”. E, aí sim, começou um questionamento pessoal. 

Aos 12 anos beijou um menino da rua. “Era uma menina sem essa vaidade que se tem hoje, com a preocupação de validação das redes sociais. Queria jogar bola, andar de patinete”, fala. 

Aos 16 anos, em uma festa no centro de umbanda que frequenta até hoje | Arquivo Pessoal

“Quando apareceram as estrias, isso me pegou”

Nessa época, a atriz conta que já tinha se resolvido com relação à autoestima, mas que por volta dos 13 anos, quando menstruou, seu corpo mudou totalmente e vieram os questionamentos. “Fiquei com peito e uma mega bunda, apareceram estrias e isso me pegou, mexeu com minha cabeça. Me perguntava por que além de ter nanismo aquilo também estava acontecendo comigo. Foi duro”, fala. 

Para Juliana, a aceitação do corpo na fase da adolescência pode ser cruel, mas questões de vaidade podem ser ainda mais fortes para quem tem uma deficiência. Ali, a atriz também passou a perceber como a moda não é inclusiva. “Tinha sempre que fazer barra, pence, encurtar manga. Até hoje, na verdade. Sabemos, infelizmente, que o mercado não vai fazer roupa para uma minoria”, diz. “É muito chato, incomoda você não poder comprar uma roupa e sair usando, sempre tem que levar na costureira.”

Aos 23 anos, encenando Peter Pan num musical com a Cia. Black and Red  | Arquivo Pessoal

  

“O teatro foi minha melhor terapia, eu era realmente aceita”

Juliana começou a trabalhar na adolescência e, aos 19 anos, fazia jornada dupla com trabalho fixo no banco e cursos de teatro. Ela também conseguiu bicos no parque Planeta Xuxa, em São Paulo, mas, por ter nanismo, era sempre chamada para ser duende ou um dos parceiros da Branca de Neve. “Eu ia, tinha cachê e precisava, mas levava tapas e chutes de crianças”, lembra. Na época ainda não havia consciência e nem discussões sobre capacitismo. “Acho que todo ator raiz acaba passando por situações humilhantes, mas hoje não aceito mais, não existe mais a figura do ‘anão’, de ser engraçada ou de assustar”, explica. 

Com a turma do parque, ela descobriu o teatro: “foi a melhor terapia, saí para viver uma realidade diferente da minha e, ali, me senti realmente aceita e incluída”. No começo, Juliana se dedicou ao teatro de bonecos e ao teatro infantil até conseguir papéis adultos e, claro, o papel na novela da Globo. Este ano, a peça Meu Corpo Está Aqui, escrita e encenada por atores com deficiência, foi indicada ao Prêmio Shell. 

No Rio de Janeiro, onde morou durante as gravações da novela em 2017 | Arquivo Pessoal

“Nunca mais recebi convites, parece que só existe chance para cumprir cota”

Ao ser convidada para um teste na Globo, Juliana não imaginava que a partir dali passaria a ser reconhecida pelo grande público e por todo o Rio de Janeiro. Ela morou na cidade durante os meses de gravação de Do Outro Lado do Paraíso, onde fazia a personagem Estela, no núcleo principal da trama. 

Estar na TV, no entanto, trouxe de volta a neura com relação ao corpo. “Sabe aquele clássico de que a televisão engorda quatro quilos? Entrei nessa e queria parecer mais magra no vídeo. Tomei remédio e fiz dieta, mas hoje isso não me pega mais.”

Juliana foi a primeira atriz com nanismo a participar da teledramaturgia da Globo. E, embora tenha sido um marco, ela não considera que tenha havido mudanças ou que o espaço para pessoas com deficiência em novelas tenha melhorado. “Demorou para ter e ainda está demorando, apesar de haver atores disponíveis. Eu nunca mais recebi convites. Fico puta, pois a sensação é que só existe chance para cumprir uma cota”, diz. 

Participação no ensaio fotográfico “Peles”, que virou livro | Arquivo Pessoal

“Comprei o primeiro vibrador na pandemia e hoje já tenho três”

Hoje Juliana diz que está em paz com seu corpo e já fez inúmeros ensaios em que aparece só de lingerie ou com boa parte do corpo à mostra – sem vergonha e se amando. Se amando muito, mas deu um tempo de homens, por hora. Ela conta que transou pela primeira vez aos 24 anos, “mas agora não transo há alguns anos”. Não é por falta de oportunidade, ela diz. “Estou me poupando, tanto para sexo casual como para relacionamento sério. Quando for pra ser legal, ok. Não quero ficar dando aula de inclusão para ninguém, ensinar o que é certo falar, como agir”, fala. 

Juliana também acredita ser importante falar sobre a sexualização e fetiches em relação à pessoa com nanismo. “São comportamentos que vêm da pornografia ou são simplesmnete fetiche, como é o caso dos devotees que sentem atração justamente por a pessoa ter deficiência”, explica. “Há muito tempo, confesso, já me aproveitei disso, sabia e achava interessante. É óbvio que a pessoa não fala diretamente, mas dá para perceber”, conta.

E, pra ficar calro, atualmente, o período não é de zero sexo, pois ela recentemente descobriu os sex toys. “Eu não usava, acredita? Comprei o primeiro na pandemia pois fiquei instigada a me tocar e a me conhecer mais. Hoje já tenho três, aumentei a coleção!” 

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