Isabel Teixeira fala da personagem Maria Bruaca e aceitação - Mina
 
Seu Corpo / Arquivo Pessoal

Isabel Teixeira: “Desejo que ‘velha’ seja uma palavra iluminada”

Após os 40 anos, Isabel estreou na TV Globo, com destaque para a premiada atuação como Maria Bruaca, de "Pantanal", em 2022

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Isabel Teixeira não se vê dentro de padrões. O desejo de expressar sentimentos e ideias através do corpo em cena parece muito mais urgente do que perseguir os moldes das capas de revista. “Não queira ver um padrão em mim. Veja primeiro quem sou. A beleza é surpreendente, ela brota. Ela pode vir de um lugar que você não espera”, diz.

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Considerada fora do padrão, a atriz, dramaturga e diretora desistiu de esperar por convites e passou a produzir as próprias peças e a integrar grupos de teatro, viajando o mundo com seus espetáculos. “Descobrir quem a gente é tem a força motora para fazer de uma fresta, um mundo. O reconhecimento das outras pessoas é quase uma consequência desse autoreconhecimento”, afirma.

Após os 40 anos, Isabel estreou na TV Globo, com destaque para a premiada atuação como Maria Bruaca, de Pantanal, em 2022. A personagem, que se liberta de um abuso doméstico, a impulsionou a reconhecer ainda mais profundamente a própria beleza. Na exibição do primeiro capítulo, ela conta que correu para debaixo da mesa de medo. Após uma vida de teatro, era estranho se ver na tela. Mas, ao longo do processo, começou a (se) gostar. “É tão bonito ela tirando a roupa e entrando no rio… E sou eu ali também!”

“Se a gente se fecha num conceito de que ‘beleza é isso e quero ser assim’, vamos estar sempre insatisfeitas”

Após passar por uma cirurgia de retirada da mama para prevenir um câncer com 90% de chance de surgir, ela se surpreende com a sua capacidade de regeneração e segue curiosa sobre suas mutações. “Tenho reconhecido a beleza desse corpo novo, temperado pelo tempo, e espero continuar presenciando essa transformação. Viemos até aqui juntos.”

Para Isabel, a ficha de se aceitar não pára nunca de cair, assim como a gente não pára de se transformar. “A aceitação do meu corpo é um processo em movimento, que nunca se resolve. Porque o corpo não vai parar e ficar tipo a Barbie. Um dia você se aceita, se gosta. No outro, acha que está feia e assim vai… “, conta. 

“O olhar, muitas vezes, julga, mas a beleza não está apenas na visão. Ela é uma equação de forças, energias e estados. E é por isso que ela brota. Se a gente está muito fechado num conceito de que ‘beleza é isso e quero ser assim’, a gente não alcança nunca e vai estar sempre insatisfeito.”

Através de seis fotos, Isabel conta como chegou neste lugar de auto respeito. Não foi um caminho simples. 

Aos 10 anos: “Perguntavam se eu era menina ou menino. Aquilo me feria muito”. (arquivo pessoal)

“É menino ou menina?”

Aos 8 anos, Isabel começou a fazer aulas de dança e expressão com a artista Regina Faria em um bairro distante da sua casa. A experiência envolveu a descoberta do corpo e da arte. “Eu estava muito entregue à brincadeira, à vida”, lembra. Dois anos depois, a mãe sugeriu que a filha cortasse o cabelo. Os curtinhos estavam na moda e facilitaria no dia a dia, então Isabel concordou. “O que mais me perguntavam era se eu era menina ou menino. Aquilo me feria muito”, conta. 

Ao mesmo tempo em que descobria o poder de ir muito além da sua aparência, expressando sentimentos através dos gestos na arte, Isabel percebeu que existia uma leitura padronizada sobre o seu corpo. Ela observa com admiração a atual revolução de gênero e com ela, o poder de se tornar quem você se reconhece ser. “Minha filha, que é adolescente, cortou o cabelo há pouco tempo e diz que nem liga se ficam em dúvida sobre o gênero dela. É libertador!”

Aos 16 anos, quando já era impactada por um padrão no qual não se encaixava

“A casa é o lugar onde acolhemos quem somos”

“Minha mãe era atriz e em umas férias de vacas magras, ela avisou que não poderíamos viajar”, conta Isabel. “Eu sempre adorei ficar em casa, então gostei da notícia. Eu acordava, tomava banho, vestia meu melhor pijama e ficava lendo, ouvindo música e assistindo filmes. Passei um mês sem pisar na rua. Li ‘Vinhas da Ira’, um livro grande e incrível do John Steinbeck, e assisti toda a filmografia do Robert De Niro, fiquei apaixonada por ele”, conta. 

A experiência foi importante na construção do seu “quarto primordial”, um lugar seguro internamente que a acompanha onde quer que vá. “A casa é o lugar onde acolhemos quem somos. Isso dá muita força para ir para o mundo. Faço muito isso”, diz, sobre se recolher para desfrutar da solidão criativa. “É como o pai fantasma falando para o Hamlet: lembra-te.”

Ao mesmo tempo, as capas de revista escancaravam um padrão de beleza que a fazia se sentir inadequada. “Aquela magreza, peito pequeno, todo um formato diferente do meu”, diz. Isabel usava um gel verde anticelulite com as amigas, que a convenceram de raspar os pêlos para agradar os garotos. Ela também vivia encolhendo a barriga e alisando o nariz na tentativa de diminuí-lo. 

“Para quem eu estava fazendo isso? Para “ele”, um suposto “ele” que eu deveria conquistar. Era uma grande ilusão. Hoje olho para as fotos e não vejo nada errado em mim. Eu sinto muito por, naquela época, não conseguir me amar do jeito que eu amo agora quem eu fui e quem eu sou.”

No centro da foto, de colar, aos 20 anos com os amigos da Escola de Artes Dramáticas da USP. (arquivo pessoal)

“Raspar o cabelo foi um ritual de passagem”

Aos 19 anos, Isabel decidiu abandonar a graduação de Letras e prestar a Escola de Artes Dramáticas (EAD) da USP, para desespero de sua mãe. A atriz Alexandra Correa ficou assustada quando Isabel decidiu exercer a mesma profissão que a sua, mesmo depois de presenciar as dificuldades financeiras da família. Em um ato de rebeldia, Isabel foi morar com a avó e raspou a cabeça. 

Quando viu a filha chegar às etapas finais do processo seletivo, a mãe se prontificou a ajudá-la nos ensaios e, até a sua morte, acompanhou de perto o trabalho de Isabel como uma grande admiradora. “Raspar o cabelo foi um ritual de passagem para para um começo de vida não muito fácil, minha mãe tinha razão, mas muito intenso e muito legal.”

Aprovada na EAD, Isabel finalmente encontrou sua turma. Essa com quem ela aparece na foto, em frente ao muro de um cemitério da Avenida Doutor Arnaldo, em São Paulo. Eles faziam tudo junto e se divertiam muito. Foi um momento de fortalecimento de identidade e de senso de comunidade. 

Aos 35 anos, em Paris, em turnê com a peça “A Gaivota” (arquivo pessoal) 

“Esse nariz são meus ancestrais!”

Depois de se formar, Isabel se deparou novamente com a discrepância entre a sua aparência e o padrão estabelecido. “Nos meus encontros amorosos, eu pensava: ‘É a minha cabeça que conquista o outro – ou a outra –, não é a minha barriga tanquinho’. Mas hoje vejo que isso não é legal, é um sistema compensatório doente.” No mercado de trabalho, a solução foi produzir as próprias peças e fazer parte de grupos de teatro. “Nunca esperei ninguém me chamar porque eu não me adequei. Não fui fazer plástica”, diz a atriz. 

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Depois de muito ouvir que uma atriz não podia ter um nariz batata como o seu, ela chegou a passar por um cirurgião, mas desistiu de operar ao se deparar com a violência da intervenção. “Eles iam enfiar um martelo no meu nariz. Quebrar como se eu tivesse levado uma surra. Para que eu vou fazer isso? Isso aqui são os meus ancestrais”, diz. “Aprendi a fazer planilha, entrar em edital, que também é uma adequação, mas uma adequação diferente.”

Na foto, Isabel aparece rindo no alto de uma roda gigante, em Paris. Era a época em que fazia uma turnê pela Europa com a peça “A Gaivota”, de Anton Tchekhov, ao lado dos amigos Mariana Lima e Enrique Diaz. “Eu morro de medo de altura. Eu ria de nervoso e Mariana dizendo: ‘Olha, olha, olha!’ Eu fui rindo, me soltando e de repente olhei e vi Paris inteira”, conta. “Foi lindo: descobri o mundo mais velha, ao lado da melhor amiga. Essa foto é libertária. A gente já tinha filhos – às vezes eles iam junto e era um caos! –, mas estávamos ali, pelas ruas de uma nova cidade, vivendo plenamente, com a juventude dentro da gente.”

Aos 49 anos: “Me sinto bonita quando estou presente”. (arquivo pessoal) 

“Sou bonita no corpo que tenho e no tempo que vivo”

Desde 2019, Isabel passa por um movimento crescente de auto aceitação e amor próprio. O processo se acelerou durante a novela Pantanal. “Maria Bruaca me ajudou a reconhecer que precisamos estar bem com a gente mesma. Ela não tem um padrão muito estabelecido na frente dela. Não tem jornal, revista nem TV. Usei muito isso para me soltar na frente da câmera e achar realmente bonito esse corpo, essa mulher, essa personagem, eu”, diz.

Isabel diz que se considera em seu “melhor momento de agora”: gosta de ter tempo para acordar e manter a saúde mental e física em dia. “Me sinto bonita quando estou presente. Eu sou bonita no corpo que eu tenho e no tempo que eu vivo e como eu sou”, diz. “Claro que tem dias que eu acordo um horror, né? Porque é assim e muitas vezes nem é uma questão de aparência, mas de como a gente se sente.”

Aos 49 anos, ela continua vendo o corpo se transformar. Foi diagnosticada, em 2020, com a síndrome de Li-Fraumeni, o que significa não possuir o gene de proteção contra o câncer. A condição exige manter os exames em dia, o que para ela tem um lado positivo do constante cuidado. Com um risco de 90% de desenvolver câncer de mama, ela fez a retirada preventiva da mama e optou por colocar uma prótese. “É uma cirurgia violenta, bem no plexo solar. Mas, depois de dois meses, me recuperei. É muito poderoso ver como tudo regenera, tudo cicatriza. Você começa a acreditar na regeneração do planeta.” 

Seu sonho agora é dizer “estou velha” sem que soe pejorativo, que “velha” seja uma palavra iluminada. “A gente envelhece e ganha um corpo novo, já pensou nisso? Estou trocando de pele. Essa nova formação da minha pele tem menos colágeno, então é mais relaxada”, reflete. “Existe beleza nisso. A beleza brota de onde a gente menos espera. A gente precisa aprender a olhar de novo”, diz. 

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