Eu não queria assistir a essa Copa, mas fracassei
É importante ter consciência em cima do que essa Copa Mundo foi construída, mas agora é torcer pra gente levar a taça e conseguir unir o país – ao menos este mês
Eu sempre gostei de Copa. De futebol. De torcer. E até de não jogar. Talvez justo pelo ambiente massivamente masculino em que fui criada; Pode ser que isso tenha sido mesmo o porquê e o começo de tudo.
Mas o fato é que tenho intimidade com esse assunto. E principalmente, gosto de falar disso. Achei que essa seria a primeira copa que eu tentaria não assistir.
Tenho ouvido e lido muito sobre em cima do que essa copa foi construída, e o peso de mais de 6500 trabalhadores refugiados mortos, outros tantos com seus passaportes sequestrados, trabalhando num sistema análogo a escravidão, somada à situação das mulheres e como elas são tratadas, a homofobia declarada, e tudo que isso junto significa, em pleno 2022… É uma massaroca difícil de engolir, na mesma medida em que se faz importante e urgente de se constatar. Afinal, tomar consciência é o primeiro passo. Explanar ao mundo, o segundo.
“O que eu sei nunca é mais forte do que o que eu sinto”
Apesar de tudo isso, pensar na torcida, nas cores e nas ruas me acende uma coisa por dentro, embalada e encharcada de memórias, da vontade de voltar a vestir a camisa brasileira, que foi arbitrariamente usada para dividir o país, e que, de repente, pode fazer o Brasil ser apenas um de novo, pelo menos durante a copa…
É como se torcer pelo Brasil ousasse vir antes do Brasil a se torcer. Assim como no versículo que diz que o ato de agradecer precisa vir antes da graça a se receber. Seria lindo, e talvez ainda possa ser. Muito embora nosso manto esteja manchado da dor de se odiar entre si; brasileiros contra brasileiros, a coisa mais dura de se ver.
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E é aí que vem o baque final; a cerimônia de abertura, um homem preto e um deficiente, uma mulher catari ainda que coberta, descortinando tudo com sua voz imensa, iluminando os rostos, as camisas das seleções, a lembrança da beleza do mundo, a conexão acima das diferenças, um tubarão-baleia gigante e brilhante, talvez nadando, talvez voando. E sinto lágrimas grossas descendo, lavando e inundando tudo que eu penso, justamente porque o que eu sei nunca é mais forte do que o que eu sinto.
E eu vejo que já não consegui tentar não assistir, não sentir, não torcer. Mas até que gosto do gosto de ter fracassado. Quero ser enganada, já não me importo: quero mais que tudo que o Brasil vença, que a gente se lembre de quem a gente sempre foi, que a gente olhe um pro outro como se fôssemos um, e que mesmo que isso seja mentira, que ela seja contada todos os dias daqui até 18 de dezembro, e quem sabe assim, vire um pouco verdade.