Preguiça, trauma ou falta de motivação pra treinar? - Mina
 
Seu Corpo / Textão

Preguiça, trauma ou falta de motivação pra treinar?

Você não está sozinha. Por décadas o esporte foi usado como forma de punição em prol do padrão estético. Aqui, dicas de mulheres reais para amar o treino (qualquer que seja ele)

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No Instagram parece fácil. São 8h, você mal lavou o rosto, e sua amiga já foi para a yoga, sua prima já correu 7km e sua vizinha está voltando do crossfit. Às 20h, quando você não tem pique para nada, sua colega de trabalho está na musculação, a blogueira está tomando pós-treino e até a amiga-da-cunhada-da-vizinha-da-sua-mãe cometeu textão porque subiu no ranking no spinning

Parece que do dia para noite toda sua bolha virou atleta de alto rendimento enquanto você já se sente exausta só de ir à padaria. Claro que essa sensação pode ser cansaço ou fadiga, mas também pode ser outra coisa: relacionar exercício físico aos irreais padrões estéticos. Afinal, enquanto meninos cresceram associando esportes à diversão, meninas o associavam a punição (seja pelo emagrecimento, seja pela pressão estética). 

Muitas mulheres ainda se sentem mal por não se animarem a exercitar o corpo

Em 2021 o Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) publicou uma pesquisa qualitativa na qual 22 atletas, paratletas e técnicas desportivas foram ouvidas sobre igualdade de gênero no ambiente esportivo. O resultado não poderia ser outro: falta de incentivo na infância, falta de representatividade, impacto no desenvolvimento (pecha de fragilidade somada a mudanças biológicas como gravidez e menopausa), ausência de mulheres em cargos de liderança e falta de políticas públicas para mulheres no esporte. 

É verdade que esse cenário está mudando (ufa!), no entanto, muitas mulheres ainda se sentem mal por não se animarem a exercitar o corpo. Por isso, reunimos depoimentos de mulheres reais para começar a ressignificar o esporte. 

Esporte dá pra pegar emprestado

Luiza Assis, analista de dados

“Comecei a fazer badminton por causa de um ex-namorado, em 2007. O namoro acabou, mas a paixão pela peteca, não. Não conhecia muito do esporte, então percebi que experimentar diferentes modalidades ajuda muito a entender o que realmente traz prazer e motivação. Cada pessoa tem seu próprio estilo, e essa jornada de descoberta é algo que deve ser aproveitada com leveza, sem pressão. O mundo do esporte é muito diversificado, o que é ótimo porque traz muitas possibilidades: têm os individuais, os coletivos, os indoors, os outdoors etc. Claro que nem sempre é fácil ter acesso a todos, então adaptar ao que está disponível faz parte do processo. Pode ser que, com o tempo, você descubra algo que ama e que nunca havia considerado antes. Ah, e isso também vale pro horário que cada um tem para praticar. E, a auto-observação e a escuta do próprio corpo são mais importantes do que qualquer regra universal”. 

Nunca é tarde demais

Alicia Stiubi, ilustradora e mediadora de clubes de leitura 

“Sou uma pessoa muito tímida, então para mim é sempre um desafio ‘ser a nova aluna’. Com o tempo eu aprendi que, quando chegamos num lugar com um sorriso no rosto, as pessoas nos recebem da mesma forma. E foi com um sorriso no rosto que fui à aula de beach tênis. O que não esperava é que a turma me abraçasse de forma tão calorosa e tão carinhosa. Lá, onde faço aula, tem gente mais nova que meus filhos e, mesmo assim, estamos sempre em contato, tanto na aula ou como pelo Instagram. É por isso que estou sempre antenada nos memes! É bacana porque, ainda que meu corpo esteja mais lento e meus reflexos não sejam mais os mesmos de quando era mais jovem, não sinto ter a idade que tenho. Este ano participei de um torneio de beach tênis com adversários jovens e a torcida gritava meu nome. Até a mãe de uma menina, que era minha oponente na partida, estava torcendo para mim e não para a filha [risos]. Isso foi muito legal! Outro dia marcante foi quando levei um bolo porque era meu aniversário e o pessoal fez uma superfesta, com bexiga e tudo. Meus amigos são pessoas mais frias e percebi outras formas de carinho e de levar a vida mesmo após os 60 anos”   

Fazer o mínimo pode ser o ideal 

Kátia Nascimento, produtora-executiva 

“Desde muito pequena eu praticava atividade esportiva, além da aula de educação física. Durante uma época fiz natação, depois vôlei, joguei basquete, futebol. Sempre foi uma coisa que meus pais incentivaram e que fiz desde criança. Eu gosto de esporte, gosto de competir e percebi que isso é o que me mantém no eixo. Percebi que fazer esporte faz com que eu fique mais perto de mim. Tiveram momentos que eu fiquei sem praticar, que estava trabalhando demais e não conseguia manter uma rotina, mas nunca foi mais de um ano. Aí percebo que fico muito reclamona e impaciente. Mas só percebi a real importância do esporte na minha vida quando meu pai morreu, em 2019. Não conseguia retomar a vida social e o único local que eu conseguia ir era a academia de luta. Falava pro meu mestre ‘não vou fazer a aula toda, só o que conseguir’. E foi assim, fazendo o que dava, que fui voltando. Por isso prefiro fazer aula de manhã, para não furar e também para começar o dia bem”. 

Abraçar as mudanças faz parte

Amanda Rio, professora de yoga 

“Eu fui uma criança que não se movimentava. Estava sempre no meio da bagunça, brincava na rua, mas gostava mesmo era de dormir e acordar às 10h. Um dia, quando tinha uns 14 anos, fiz uma aula de yoga e gostei. Comecei a praticar, mas não pensava em trabalhar com isso. Fiz faculdade de biologia, mas não segui a carreira porque não gostava de ir a campo. Depois trabalhei com vendas, num escritório, e anos mais tarde decidi guiar práticas de yoga como profissão. Quando fiz 30 anos percebi que o corpo estava mudando e que era necessário começar a fortalecer os músculos. Eu nunca gostei de musculação porque associava ao emagrecimento. Olhava as pessoas com shakes na academia e pensava ‘nunca que eu vou fazer isso’. Para você ver como a gente paga a língua! Comecei bem de leve, fui vendo resultados, me animando, fazendo amigos e quando vi estava colocando um biquíni para competir no fisiculturismo. Minha primeira competição foi aos 42 anos. Aí virou um caminho sem volta! Do mesmo jeito que nosso paladar muda, a gente muda, nosso ciclo de amizades muda, tudo muda. Ficar preso ao passado às vezes vira uma crença limitadora. Hoje, para melhorar minha performance nas competições [no fisioculturismo], comecei a fazer dança do ventre e estou amando! Dançar nos faz muito bem: se é para dar uma dica para quem tá começando eu falaria dance! Dance errado, de qualquer jeito, você vai se sentir melhor”. 

Treino não é punição

Juliana Faddul (eu mesma)

Bom, essa dica aqui é em primeira pessoa. Um dia estava fazendo um exame de rotina quando me perguntaram se eu tinha alguma lesão. Após responder que não, a médica respondeu: “que sorte você teve com seu corpo”. Aquilo ficou na minha cabeça porque eu detestava meu corpo. Que sorte é essa que não consigo usar saia no verão sem assar, tenho culote e um braço roliço? A busca incessante pela magreza fazia com que eu treinasse em jejum, praticasse overtraining e forçasse meu corpo em prol do gasto de caloria. O ciclo era vicioso: eu não comia, treinava, não emagrecia, ficava ansiosa, comia muito, me sentia culpada e então treinava mais gastar as calorias ingeridas. E de novo, de novo. Do jeito que tratava meu corpo, de fato, era muita sorte não ter nenhuma lesão. Foi então que descobri (a duras penas!) que estava conectando esporte com punição. Parei de treinar por uns meses e só voltei para fazer atividades que eu realmente gostava, como dança e alongamento. Agora, já consigo conectar esporte com diversão e tenho uma rotina variada, com aulas de tênis, yoga e musculação que me fazem muito bem. Hoje, encaro o esporte como como minha “hora do recreio”. Sendo bem honesta, continuo não amando o meu corpo do jeito que ele é, mas após eu tentar feri-lo e ele não sucumbir, o mínimo que devo a ele é um pouco de diversão.  

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