Como o ciclo de violência nas famílias deixa as crianças desprotegidas Desprotegida pelo afeto - Mina
 
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Desprotegida pelo afeto

Como se proteger de quem você mais ama neste mundo? Manuela Dias reflete sobre o sofrimento que é ser uma criança em um lar violento

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Na volta da viagem do réveillon, parei para abastecer em um posto numa pequena cidade chamada Curvelo, em Minas Gerais. Fui ao banheiro com minha filha de seis anos, onde estava uma mãe com sua filhinha de, no máximo, quatro. Logo que entrei no reservado, escutei a mãe dizer: “Você fica quieta aí, hein? Se não vai levar uma surra que você vai se arrepender.” Quando saio com Helena para lavarmos a mão, vejo a menininha parada ao lado de uma senhora mais velha. A menina deu um mini passo para frente, mais para se equilibrar do que para ir a algum lugar, quando a senhora agarra os cabelos dela e a puxa para trás com força. 

O afeto é a maior e mais eficiente ferramenta de educação

Na hora, nem pensei e intervi – “O que é isso???” –, ao que a senhora me respondeu: “Sou avó dela, posso puxar o cabelo sim! E minha filha é advogada. Essa garota gosta de aparecer isso sim!” Minha filha nunca tinha visto uma cena de agressão e estava em choque. O banheiro era minúsculo e eu estava encurralada com Helena, já que a velha estava tapando a porta. Antes de mais nada, saí daquela armadilha. Quando estávamos na lojinha, do lado de fora do banheiro, a sedizente avó saiu com a menina ainda resmungando que ela tinha o direito de bater sim! Não aguentei: “Violência se aprende em casa mesmo. Tomara que, quando a senhora estiver bem velhinha, ela te trate assim também!”.

A menininha me olhava entre o medo e o agradecimento. Meu coração disparado, vontade de sentar a mão naquela velha covarde… Por que ela não batia em alguém do tamanho dela?? E a “avó” desgramenta repetia que o problema era a menina que gostava de “chamar atenção”, sendo que a pobrezinha parecia uma estátua petrificada pelo medo e as únicas que chamavam a atenção ali eram a avó e a mãe, violentas. 

Cheguei ao Rio e vi a matéria de um “pai” espancando as duas filhas na praia. Alguém, mais novo e perspicaz que eu, teve a presença de espírito de gravar e o covarde acabou indiciado pela polícia. Lamentei não ter gravado a agressão da “avó”. Na delegacia, o pai disse que bateu “por amor” e eu, chorando depois de ver o vídeo com a agressão, fiquei pensando em quão longe isso está de qualquer amor ou afeto. 

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A imensa covardia de bater numa criança não se justifica por NADA e, em muitas situações, é crime. O afeto é a maior e mais eficiente ferramenta de educação. Certamente aquela senhora apanhou quando criança, deve ter batido na filha, a tal da advogada que, se bobear, também apanha do marido. Fiquei pensando em toda aquela família unida por agressões verbais e físicas, na aridez dessas relações, unidos pelo desamor.

Para romper a herança da violência, é preciso ter muita coragem para assumir que o que você recebeu em casa não era amor e, sim, um horrível abuso de poder, um exercício da mais vil covardia, mesmo que tenham sido seus pais ou seus avós. Crianças não têm como se defender dessas agressões, pois estão desprotegidas pelo afeto que sentem pelos familiares. Desprotegidas por quem deveria protegê-las. Como se defender de quem você ama mais que tudo no mundo? Agora, quando crescemos, sim, podemos nos defender e, sobretudo, mudar o curso desse rio. Quem ama, não agride. E ponto final. 

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