É preciso falar de consciência negra o ano todo - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

Hoje é 1º de dezembro e é agora que quero falar de consciência negra

O mês de novembro é fundamental no combate ao racismo, mas não pode ser o único período do ano em que o país se volta para as questões raciais. A jornalista Letícia Vidica explica por que

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Se o ano tem 365 dias, por que somente em 30 deles parte da sociedade brasileira se preocupa com as causas raciais? Quisera eu que o racismo e todas as opressões raciais só me atravessassem (e a todas as pessoas pretas) em 30 dias do ano. Na real, quisera eu que o racismo não cruzasse o meu caminho o ano todo. Mas esse é um acordo impossível quando se trata de uma sociedade estruturalmente racista.

A realidade mais estatística de todas é que o Brasil não se embranquece nos outros 335 dias do ano. Continuamos sendo 56% da população desse país. No entanto, as artimanhas do racismo atuam para nos invisibilizar – fazendo com que pareça que aqui é a Suécia. Ledo engano, o Brasil é preto mesmo.  Majoritariamente negro. 

“De 1 de dezembro a 31 de outubro, continuamos sendo pretos”

O problema é que não são os negros que predominantemente desfrutam dos privilégios tropicais. Pelo contrário. São os negros que trabalham duro para sustentar e manter muito privilegiado branco por aí. Como ouvi outro dia no podcast Projeto Querino, idealizado pelo jornalista Tiago Rogero, “existe uma história do negro sem o Brasil, mas não existe uma história do Brasil sem o negro”. Sem mais delongas.

O ano todo

De 1 de dezembro a 31 de outubro, eu continuo sendo preta. Continuamos sendo pretos. E a cor da nossa pele não é desconsiderada por um minuto sequer. Não é desconsiderada na questão salarial: ela é sempre notada na hora de definirem que o valor do meu trabalho é 48% do que ganha um homem branco. A cor da nossa pele não é desconsiderada quando a polícia aperta o gatilho: ela é a mira preferida da “bala perdida” – que sempre acha a pele escura.

A cor da nossa pele não é desconsiderada na hora de assumir a liderança: ela é levada em conta para que ocupemos menos de 5% dos cargos de decisão. A cor da nossa pele não é desconsiderada quando tentamos entrar num estabelecimento comercial para fazer uma compra e somos perseguidos pos seguranças: nos confundem com o ladrão só porque temos a pele da cor daqueles que o sistema gosta de encarcerar. 

São 365 dias sendo negro ou negra. São 365 dias na batalha para ter uma vida digna, como qualquer pessoa tem direito. São 365 dias tendo que provar que temos direitos, 365 dias na labuta para sair da misériam 365 dias só querendo respeito e igualdade. São 365 dias querendo mais acessos e oportunidades. 

365 dias tendo que provar de 365 formas diferentes que somos capazes, podemos e merecemos ocupar o lugar que quisermos. Daí, a minha inquietação: diante de um cenário desse, dá para ser racialmente consciente por apenas 30 dias no ano? 

A data de 20 de novembro é, sim, um marco importante para a nossa história negra. Ela lembra o aniversário de morte do líder quilombola, Zumbi dos Palmares, o nosso herói da resistência negra. Não quero descreditar a data que chama atenção para a consciência racial, escancara as desigualdades e clama por respeito e direitos. Mas por que todas as ações de combate ao racismo, os investimentos, a visibilidade e o protagonismo negro não podem ganhar espaço na agenda o ano inteiro? 

A Consciência Negra não é uma bandeira de segregação

Quem quer ser aliado dessa luta de fato não escolhe só um mês para se conscientizar. A consciência racial é um exercício constante e ininterrupto. Afinal, não existe consciência sem transformação. 

É urgente

Vale pontuar também que a Consciência Negra não é uma bandeira de segregação e muito menos deve ser usada como um ativismo de fachada. Dar protagonismo a pessoas pretas, pagar pessoas pretas pelo valor correto pelo seu trabalho, discutir equidade racial, reconhecer privilégios, criar ações afirmativas, dar mais acesso e oportunidades a pessoas pretas, virar o pescoço e enxergar a ausência de corpos negros, incentivar negócios de pessoas pretas, criar espaços de discussão sobre a questão racial, reconhecer o racismo na sociedade, buscar letramento racial, discutir a sua branquitude, entender que meritocracia no Brasil é lenda, acelerar a carreira de pessoas pretas, incluir negros em espaços de decisão, ler autores negros, querer se tornar um aliado… são todas atitudes e ações louváveis, mas que não podem esperar apenas um mês para acontecer. 

Elas precisam ocorrer durante todo o ano, num processo constante e solidificado porque a nossa hora é agora e o nosso grito é urgente… “porque o guerreiro de fé nunca gela, não agrada o injusto, e não amarela”, já dizia Racionais.

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