O desastre climático do Rio de Grande Sul causado pelas fortes chuvas já deixou 116 mortos e gerou cenas dignas de fim do mundo. A tragédia ambiental comoveu o país e fez muita gente colocar as mãos na massa. Instituições, empresas, personalidades e voluntários estão se mobilizando em diversas frentes. Mas, para além dos danos materiais e urbanos, há efeitos psicológicos, e não é apenas na população local, quem está longe, mas envolvido, também pode ser impactado. E como se trata de um evento climático extremo fruto da ação humana, a “ansiedade climática” pode atingir a todos.
Muita gente achava que ansiedade climática (ou ecoansiedade) era uma questão mental meio longínqua, mas o desastre do Rio Grande do Sul mostrou que ela já está entre nós. O termo é definido pela Associação Americana de Psicologia como um medo crônico de catástrofes ambientais, envolve sentimentos de pesar, raiva, culpa e até vergonha. E como estamos falando de um prejuízo em decorrência do descuido humano com o clima, o sentimento de responsabilidade (enquanto humanidade) agrava o processo que atinge a saúde mental. “O que aconteceu no sul é consequência das mudanças climáticas que foram apontadas em estudos no passado”, afirma Hugo Fernandes, cientista e professor da Universidade Estadual do Ceará. Mostrando que sim, a humanidade foi negligente.
“O trauma se instaura porque a noção de normalidade do funcionamento da vida é rompida”
A psicóloga Tifany Santos, parceira do Canto Baobá (especializado em Saúde Mental e diversidade), é categórica: “todos seremos afetados”. Ela pontua que “esse desastre ambiental atinge a saúde mental tanto diretamente, em quem está lá envolvido, como indiretamente para quem acompanha o noticiário e é tomado por um sentimento de angústia. É um trauma que se instaura porque rompe a noção de normalidade de funcionamento da vida”.
Claro que para quem é vítima o dano é bem mais profundo. Estudos realizados no Reino Unido mostram que o risco de ser afetado por problemas psicológicos de longo prazo é até 8 vezes maior em quem vivenciou a inundação. “A pessoa pode desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático, luto complicado, ansiedade e transtornos depressivos”, conta Tifany. É preciso ficar atento.
Para quem está longe e se mobilizando intensamente com doações e logística, por exemplo, pode vir um sentimento de culpa. “Para alguns causa ansiedade e culpa sentir que está vivendo a vida, enquanto tanta gente está em sofrimento”, diz Laís Rafaela, psicóloga.
Primeiros socorros psicológicos
Tem viralizado nas redes uma cartilha do chamado primeiros socorros psicológicos que é bem interessante. “Ele é pensada para a redução do sofrimento imediato, de um suporte emocional pontual”, explica Tifany. No site do Conselho Federal de Psicologia (CFP) há a informação de que esse acolhimento e de escuta no local do desastre pode ser realizado por qualquer pessoa. Durante a fase crítica da pandemia, por exemplo, o CFP ofereceu até um curso para que esse atendimento emergencial fosse feito com qualidade por toda a população. É interessante que no Rio Grande do Sul todos os envolvidos nos resgates tenham esse conhecimento. E pensando a longo prazo, porque não termos todos nós, potências vítimas e voluntários, esse conhecimento? Mas, atenção: há ressalvas.
É preciso avaliar se você tem disposição emocional para lidar com os relatos de dor e sofrimento de quem está em situação extremamente delicada. Se sentir que não tem disponibilidade emocional, não se obrigue. “Nesse acolhimento é preciso ter respeito pelo que as pessoas estão sentindo. Não é o momento de questionar e nem de pedir detalhes para que a pessoa não reviva o trauma”, diz a psicóloga.
Se sentindo apto a prestar a esse tipo de apoio, algumas orientações são:
- Se apresente dizendo quem você é e diga como pode ajudar
- Se comunique de maneira clara, gentil e que acalme o outro
- Ouça com atenção e respeite o que a pessoa tem vontade de dizer
- Não peça detalhes, deixe o outro falar o que sentir vontade
Cuidemos uns dos outros, sempre buscando suporte profissional e informações de fontes seguras. Lidar com a ecoansiedade, e com o que alguns especialistas já chamam de luto ecológico, nos garante qualidade de vida e força para lutar pelo futuro. Nunca é tarde para pensar num amanhã melhor.