Coisas que fazem bem para os olhos e para o coração - Mina
 
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Coisas que fazem bem para os olhos e para o coração

Stephanie Ribeiro traz diversão, sabor e história, abrindo uma espécie de olho mágico para o que a inspirou nos últimos tempos

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Uma das discussões que meu marido mais adora ter é sobre curadoria. Ele é curador de conhecimento, e defende a tese de que, num contexto em que a informação virou uma questão, não pela sua ausência, mas pelo seu excesso sem filtros, a curadoria ganhou uma importância ainda maior. Ela virou um direcionamento. Lembro de como era difícil fazer uma simples pesquisa nos anos 2000. Com pouco acesso a internet e um computador em casa, usávamos por muito tempo enciclopédias e livros ilustrados. Hoje, basta ter um celular conectado ao wifi e “jogar no google” e tudo é possível de se descobrir. Mas com isso temos acesso a toda e qualquer informação, inclusive aquelas errôneas e tendenciosas.

Foi nesse contexto que a curadoria ganhou um novo significado. E faz sentido: se vamos numa exposição de um artista que não conhecemos, imaginamos que o curador, por meio de sua pesquisa e conhecimento, é capaz de nos direcionar pelo melhor caminho para compreensão e sentido acerca do trabalho desenvolvido.

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Fazer uma curadoria do cotidiano é procurar nos atos diários beleza e coisas interessantes. E é assim que vou traçando estilos estéticos que influenciam meu trabalho como arquiteta. Profissão que despertou minha curiosidade no habitual. Não tem nada mais divertido que imaginar as vidas por trás de cada janela e nisso entra a ideia do Olho Mágico. Nessa coluna, pretendo mostrar algumas imagens, fotos e artes que me inspiraram no último mês:

ESPIADA 1: Ler Casa de Alvenaria de Carolina Maria de Jesus

Casa de Alvenaria, onde Carolina de Jesus relata o que aconteceu depois da fama

Provavelmente o diário mais famoso de Carolina Maria de Jesus é Quarto de Despejo, no qual ela relata seu dia a dia morando na favela do Canindé em São Paulo com seus filhos e tendo como enfrentamento diário a fome e a miséria. Essa história foi um sucesso e alçou a escritora a um patamar nacional de fama. É essa Carolina, após o sucesso de seu primeiro livro, que encontramos em Casa de Alvenaria, onde ela relata o que aconteceu com essa transformação de vida, os interesses das pessoas nela, a sua vida atribulada diante da fama e a relação dela com espaços da elite e majoritariamente brancos. O livro, na minha percepção, não esconde a forma como Carolina seguiu solitária em sua trajetória e como, mesmo com o sucesso, continuou enfrentando as consequências de ser uma mulher preta. 

A obra reforça seu senso crítico e genialidade, também nos presenteia com uma capa que tem uma obra de Lucia Laguna, professora de língua portuguesa e latina que após se aposentar passou a se dedicar a pintura de espacialidades. Seu trabalho se relaciona com a obra de Carolina tanto pelo que ela retrata, quanto pela sua profissão tão exaltada por Carolina em seus diários. 

ESPIADA 2: OS MURAIS DE JB LAZZARINI 

Mural de JB Lazzarini

O trabalho de JB Lazzarini conheci na Semana Criativa de Tiradentes num painel pintado na fachada de uma antiga construção, mesmo à distância o que me chamou atenção foram as cores, as formas precisas e o movimento que sua pintura cria pelas sobreposições. O artista é mineiro, assim como muitos da Semana Criativa que acontece na cidade de Tiradentes e tem como premissa divulgar o trabalho de artistas, artesãos e designers. Promovendo imersões criativas que resultam em produtos posteriormente vendidos como forma de apoiar os trabalhos de artesãos locais. Além disso, a semana é cercada de palestras e rodas de debates que deslocam a ideia do Rio-SP como centro do debate cultural. Vale a pena anotar e visitar a cidade nessa época que fica imersa no evento e possibilita uma experiência nostálgica unindo arquitetura, design e a culinária local. 

ESPIADA 4: UMA PARADA NO AIZOMÊ

Prato de Telma Shiraishi, do restaurante Aizomê

Existe aquela história que a gente come primeiro com os olhos, e eu sou uma entusiasta de restaurante que serve uma comida que é tão gostosa quanto bonita. Inclusive, existem alguns arquitetos que se aventuram no mundo da culinária servindo comidas que são verdadeiras obras de arte. A que me surpreendeu nos últimos dias foram os pratos da chefe Telma Shiraishi responsável pelo Restaurante Aizomê. Com estética agradável, sabor fresco e cheio de misturas, os pratos ainda são servidos em lindas cerâmicas. O espaço é uma casinha no bairro dos Jardins (em São Paulo) onde na parte da garagem funciona uma loja que vende sakes, hashis e porcelanas. O sobrado por si só é uma graça, mas a comida uma delícia, em especial os sushis, sashimis e a sobremesa esfera de yuzu que é um mousse com casca de chocolate branco.

ESPIADA 5: UM FINAL DE NOITE COM “ESPELHO TEM DUAS FACES”

Cena do filme Espelho tem duas faces, de 1996

Dois professores solitários e já faixa dos 40 anos resolvem manter uma relação em que a parceria e a conversa se sobressaem ao desejo sexual. Essa é a base da comédia romântica que conta com Barbra Streisand como diretora e atriz, numa personagem inteligente, sagaz e cheia de camadas. Sua incrível professora, Rose é cheia de inseguranças, talvez, traga mais camadas que qualquer personagem de seriado millenium. Finalizar o dia assistindo uma comédia romântica dos anos 90 é maravilhoso. E os cenários sempre me prendem! Essa, possui cenários que são construídos conforme a personalidade de cada personagem. Para Rose vemos locais carregados no rosa, com inúmeras estampas florais em almofadas e quadros com molduras douradas. A estética clássica com esse toque carregado me faz assistir ao filme várias vezes fotografando referências e anotando possibilidades. Um cenário cheio de vida e possíveis inspirações dentro de uma boa história. Ótimos para os dias atuais, quando a decoração com teor afetivo vem se tornando tendência novamente.

Ilustração: Kelly Boeni

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