Nascida no interior de São Paulo, no seio de uma família formada por mulheres, Claudia Raia começou no balé aos 3 anos. Aos 13 já morava fora para estudar dança e aos 20 era símbolo sexual. Marcou o público com personagens como Tancinha, de Sassaricando, Jaqueline Maldonado, de Tititi, e Donatella, de A Favorita. Brigou para que não fosse só um corpo bonito e ouviu de um diretor, que se fosse mesmo boa atriz, a câmera sairia de sua bunda e chegaria no seu rosto. E é claro que chegou. Crítica a alguns personagens estereotipados que interpretou, como Tonhão, na TV Pirata, Claudia é grata à família feminista que a criou e lembra, com pesar e trauma, de quando sofreu duas tentativas de estupro. Hoje, portavoz de uma geração que não quer ser descartada só porque não ovula mais, ela garante que está colhendo os frutos da vida que levou. “Não é sobre o resultado e sim sobre o caminho percorrido”, diz. Com vocês, a história da bailarina alta demais que virou atriz e agora é TikToker.
“Por ser alta, me sentia acima do bem e do mal”
Antes mesmo de Claudia nascer, o balé já estava em sua vida: a mãe dava aulas e a irmã mais velha era bailarina. Nesse embalo, com apenas 3 anos, deu seus primeiros passos. “Não fui uma criança bonita e ser alta era um diferencial. Me sentia acima do bem e do mal”. Na escola, se destacava com boas notas e gostava de estar à frente dos eventos artísticos. Seu carisma conquistava a todos, de colegas a professores. “Eu era a rainha da simpatia, da primavera. Produzi uma peça de teatro todinha, mas nem imaginava que queria ser atriz”, brinca.
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“Sofri duas tentativas de estupro em Nova York e reagi”
Claudia Raia aterrissou em Nova York com apenas 13 anos para estudar dança. Tinha bolsa de estudos e, durante o ano que passou na cidade, morou no bairro do Harlem, onde cresceu – ainda mais. “Fui crescendo por partes e, quando você é muito alta, não é harmônico. Foi lá no EUA que me desenvolvi em tudo”. Durante sua estadia, a artista passou por momentos de tensão. Sofreu por duas tentativas de estupro. “Reagi, fiquei assustada durante um tempo. Na primeira, fui traída pelo cara que me hospedou e saí da casa dele de mala e cuia, correndo. Na segunda, estava indo para uma peça e um cara me agarrou em uma rua sem saída, a polícia chegou e prendeu ele. Nunca mais consegui passar por ali. Mas isso não me atrapalhou como pessoa, nem sexualmente, porque tive toda uma criação de empoderamento, com mulheres feministas”.
“Se eu fosse talentosa, a câmera sairia da minha bunda e chegaria na minha cara”
Foi em um espetáculo na Argentina que Claudia se descobriu atriz. Uma das primeiras oportunidades na TV foi no programa de Jô Soares, em que o humor era o carro-chefe. Na época, ela já era considerada um sexy simbol e pensou que sua função seria ficar pra lá e para cá de maiô e sem uma fala sequer. “Mas ele viu uma atriz dentro de mim, eu também cantava e dançava, tinha muitas ferramentas artísticas. Essa oportunidade me deu uma boa bagagem inicial”. Após o programa, Claudia engatou na teledramaturgia. Antes de encarar sua primeira personagem em novela – Ninon, uma dançarina de Roque Santeiro – disse ao diretor que queria sair do lugar de mulher sexy. “Perguntei se fazer novela era mostrar a bunda, e ele respondeu que dependia. Disse que se eu fosse talentosa, a câmera chegaria na minha cara. Minha personagem cresceu tanto que ganhei destaque”.
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“Mesmo sendo um símbolo sexual, fiz o Tonhão, uma mulher lésbica e prisioneira”
A atriz sempre usou o humor, mesmo em personagens mais dramáticos, e costuma dizer que ao receber um texto, faz uma primeira leitura com um olhar bem-humorado. Mas foi na TV Pirata que Claudia pôde, pela primeira vez, explorar seu lado cômico. “Mesmo sendo um símbolo sexual, fiz o Tonhão, uma mulher lésbica e prisioneira. E olha, foi uma luta, porque achavam que esse personagem poderia ser ruim para a minha carreira”, lembra. Porém, Claudia reconhece que nesses mais de 40 anos, o personagem (assim como muitos do TV Pirata) se tornou problemático. “Hoje, vejo como totalmente incorreto, só que esse personagem foi divisor de águas pra mim.”
“Aos 55 anos, me sinto absolutamente saudável, tudo harmonizou!”
A volta aos palcos depois da fase mais drástica da pandemia aconteceu com a peça Concerto para Dois, no final de 2021. Nesse processo, Claudia conta que não percebeu ter chegado aos 55 anos. Atenta às novas tecnologias, faz inúmeros vídeos no Tiktok, onde reflete muito sobre o preconceito com mulheres mais velhas. “Falo muito de etarismo porque sinto que estou com a mesma energia, parar de ovular não é uma data de validade! Temos o direito a uma carreira ou a se reinventar.” Ela garante que se sente muito melhor consigo mesma agora do que aos 20 e poucos anos. “Me sinto dentro de um corpo absolutamente saudável, tudo harmonizou. Cuido de mim desde muito jovem, então não é o resultado e sim o caminho de auto-amor e autoconhecimento. Sinto que hoje estou colhendo os frutos.”