Pense na última vez que teve vontade de chorar em público. Como foi? Se pudéssemos dar um chute, diríamos que bateu junto uma vergonha e você logo deu um jeito de disfarçar, cobrindo o rosto ou secando as lágrimas rapidamente. Acertamos? Desde a infância, somos ensinados que o choro deve ser evitado a todo custo. Crescemos ouvindo frases como “chorar é feio”, “engole o choro” e até ameaças como “se não parar de chorar, vou te bater para ter motivo de verdade”. Mas de onde vem essa ideia de que as lágrimas são um problema e como isso afeta o nosso bem-estar? É o que vamos descobrir a seguir.
“Acreditamos equivocadamente que, se fingirmos que a emoção não existe, ela irá embora”
Para a pedagoga Isabella Ianelli, cofundadora da plataforma de educação emocional Oceano, uma das grandes consequências dessa censura ao choro é passar a agir de forma extrema nos momentos de emoção. “Já adultos, ora expressamos desenfreadamente o que sentimos (gritamos, batemos porta, viramos a cara para o outro), ora suprimimos o que sentimos (engolimos o choro, fingimos que não foi nada, fazemos ‘cara de paisagem’)”, afirma.
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Ela explica que existe um caminho além da expressão e supressão, mas quando crescemos com as emoções sendo vilanizadas, não aprendemos a trilhá-lo. “Aí, caímos no extremo da supressão, que é quando acreditamos que se fingirmos que a emoção não existe, ela irá embora. Mas ela não vai, segue dentro de nós como se fôssemos uma panela de pressão. É só perceber como é difícil fingir que não aconteceu nada: nos entristece, muda a nossa respiração, nos fecha para o mundo e para as relações”, diz. Outra questão importante é que sentimentos não processados podem resultar em depressão e outros distúrbios.
Chorar faz bem
Emerson Fernandes, oftalmologista do Hospital Sírio-Libanês, conta que há três tipos de lágrimas: basal, que é uma secreção lenta e contínua, rica em proteínas e que ajuda na lubrificação dos olhos cada vez que piscamos; reflexa, que é desencadeada por substâncias irritantes, como quando cortamos cebola ou quando um cisco cai no olho; e emocional, que é o choro propriamente dito, uma resposta a uma série de emoções. As lágrimas emocionais têm um nível de proteína mais alto do que as basais e reflexas, o que as torna mais espessas e faz com que caiam mais lentamente, aumentando a chance de serem notadas por outra pessoa. Assim, funcionam como um sinal social.
Segundo o neurologista britânico Michael Trimble, as áreas do cérebro ativadas quando vemos alguém muito emocionado são as mesmas que entram em ação quando nós mesmos estamos sob forte emoção, o que gera empatia – ou deveria gerar. Em seu livro Why Humans Like to Cry (Porque os humanos gostam de chorar, em tradução livre), ele afirma que o choro seria uma vantagem evolutiva, uma forma de mostrar vulnerabilidade e receber ajuda para superar um momento de dificuldade.
Se rir é considerado o “melhor remédio”, por outro lado, chorar pode ser terapêutico. Um estudo publicado na revista Frontiers in Psychology mostra que o choro é uma ferramenta importante tanto para a nossa saúde física quanto mental. Entre os muitos benefícios estão:
- alivia a dor, funcionando como um analgésico natural
- reduz o estresse
- libera ocitocina e endorfina, o que produz a sensação de bem-estar
- auxilia na recuperação do equilíbrio emocional
- ajuda no processo de luto
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Na dúvida, abrace
Mesmo com essa lista de benefícios, chorar ainda gera desconforto. Se alguém derrama lágrimas em uma conversa entre amigos, por exemplo, nossa tendência é falar: “ah, não fica assim” e logo tratamos de mudar de assunto. Também é comum buscarmos distrações para que o choro alheio cesse sem que a gente precise lidar, de fato, com a dor do outro. Mas qual é a melhor forma de reagir ao choro do outro?
“A tristeza estreita laços”
Isabella explica que, quando o choro é uma resposta da tristeza, ele possui uma função: mostrar ao outro que precisamos de acolhimento. E, apesar de nossa inabilidade emocional querer uma resposta rápida, uma pílula mágica, com a tristeza não funciona assim. O melhor jeito de lidarmos com ela não é oferecendo resposta (porque ela pode nem existir), mas, sim, oferecendo cuidado e presença:
Essa pessoa está bem amparada? Consegue ser funcional? Como posso deixar claro que sou alguém para quem ela pode ligar? Se não for um choro recorrente, nem acompanhado de outros sintomas, não há o que se preocupar, basta oferecer seu ombro amigo – e, muitas vezes, os ouvidos. “Temos que ter habilidade de não invalidar o que o outro sente, nem embarcar junto em sua tristeza. Uma tarefa difícil, mas muito gratificante. A tristeza estreita laços”, ressalta. Portanto, se as lágrimas vierem, apenas acolha e deixe que rolem. Não se trata de drama, nem de descontrole – faz parte da vida sentir e expressar emoções.