Foi uma daquelas paixões fulminantes que te levam a se perguntar, segurando nos corrimões internos, estou me perdendo? Mas na verdade está se encontrando. Largando medos passados que não correspondem ao presente (embora ainda te assombrassem como espíritos que não aceitaram a morte), você se joga, porque algo te diz que vale a pena. Certeza, certeza disso você não tem, mas desafiando os limites da alteridade, você vai se entregando e tudo subitamente se torna turvo, dissociado (quem disse que dissociação é ruim), mágico. Se trata, como diz Marianne Williamson, de conseguir se tornar um receptáculo digno para a iluminação que é o amor. Nem sempre conseguimos, mas a busca de ser capaz de conter esse hiato de eternidade vale cada minuto.
Nós paramos e ficamos nos olhando nos olhos por alguns minutos, sentindo o tesão se espalhar pelo corpo
Foram dez dias de eternidade. Na verdade, bem mais que isso, porque dura até hoje. Mas quero falar desses dez dias e dessa ilha no tempo em que vivemos no início, a vida suspensa em um transbordamento de amor, ausência de razão e prazer. Tempo no qual saímos correndo de nossas vidas sem dar explicações, como o herói e heroína de um filme de aventura que fogem enquanto tudo atrás vai explodindo vertiginosamente. Porque teve explosão. Desmarcamos viagens, sumimos de compromissos, ignoramos deadlines, afetos.
Começou, antes desses dez dias, com um papo intelectual, espiritual, bem humorado em que encantamos um ao outro. Tantas coisas em comum, referências, sincronicidades, histórias de vida. Nietzsche, Kerouac, Muktananda, Neem Kali Baba, deusas tântricas, tantra, astrologia, budismo, Deus.
Ele me fez um almoço vegano, falou que a primeira vez que me viu me achou intimidadora, falei que eu era bruxa tântrica sim, mas que a deusa Kali em mim também cedia espaço para deusas mais sutis e doces. Falamos do meu mapa astral (ele é astrólogo védico), do dele. Combinava. E no meio dessa cruza entre sagitário e escorpião, que ali não poderia ser estragada pela obviedade de um beijo só-porque-talvez-fosse-o-momento, falei que tinha que ir embora. Mais tarde, no mesmo dia, escrevi para ele: pena que não sou bruxa o suficiente para estender o tempo e ficar mais aí com você.
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Tive que voltar para São Paulo, onde morava, e só retornei ao Rio duas semanas depois. Foram duas semanas longe, sem pressa, uma ausência de ansiedade causada por uma certeza de que aquilo era algo especial demais para cair na frivolidade que a pressa traz.
Já de volta ao Rio, ele passou para me pegar às 9h da manhã em um lugar que eu tinha ido praticar yoga. Dali fomos a pé tomar um café da manhã com um papo tão fluido e encantador que se estendeu até a hora do almoço. Corpo sorrindo internamente, dizendo sim para aquela energia.
Nosso primeiro beijo foi logo depois no balcão de um lugar de brownie vegano. Beijo longo e tão delicado. Lembro de pensar que sutileza era tudo o que precisava naquele momento, enquanto o tocava com muita delicadeza e presença, ignorando estar sentada em um banco desconfortável, estar em um lugar nada óbvio para um beijo romântico, as pessoas que viviam ali uma manhã normal – era como se nada mais existisse ao redor.
Fomos para a casa que eu tinha alugado e que já tinha uma aura mágica por todas as vivências tântricas que eu tinha conduzido lá. Acendemos velas, incenso. E a música foi conduzindo nossos movimentos em beijos cada vez mais apaixonados, cheiros, lambidas, respirações ofegantes no ouvido, movimentos tão livres, descargas energéticas intensas e dosadas para que aquele prazer durasse muito. Eu me sentia livre, longe de qualquer possibilidade de performance ou expectativa, vulnerável, simplesmente existindo naquele presente que me abraçava.
Um dia, percebi que estava caindo nessa jaula da mulher contemporânea (apresentada como liberdade)
Em meio a toda energia sexual, nós paramos e ficamos nos olhando nos olhos por alguns minutos, sentindo o tesão se espalhar pelo corpo e sendo sentido em cada canto. Voltamos a nos tocar desacelerando o ritmo, sentindo a energia subindo para o coração, o amor já gritando internamente dentro dos dois, e ele me disse: quando é cedo demais para dizer que ama alguém? Ele já me amava. E eu já sabia, não seria um dia só, seria uma linda história de amor. E, banhados naquela selvagem vulnerabilidade, sentimos as lágrimas escorrendo como o anúncio de uma última porta interna sendo destrancada. Meu corpo está aberto. Pode entrar e ficar.
Ficamos 10 dias nesse lugar, praticamente sem sair de casa, ignorando o mundo lá fora, em uma rotina de sexo, declarações de amor, comidas gostosas, papos deliciosos, um ciclo de pura paixão e entrega. Durante esses dias ele me pediu em casamento, fizemos planos, dividimos sonhos e saímos dessa imersão louca & linda decididos a dividir a vida.
Além da nossa conexão linda, sinto que momentos como esse só se constroem devido a minha conexão de anos com o Tantra. Mas nem sempre foi assim. A sexualidade e o corpo foram meu objeto de estudo durante toda minha vida e já passei por várias fases. Como filósofa, escritora e colunista de sexo, já fui para resort nudista na jamaica, já pesquisei a cena BDSM no méxico, as dominatrix em LA, os atores pornôs da Republica Tcheca, sou autora de um romance erótico. Já achei que ser livre sexualmente era ser hardcore, fazer de tudo, não romantizar relações sexuais. Já achei que ser empoderada era arrasar na performance, falar putaria, curtir sexo casual, não ligar no dia seguinte. Ir contra o estigma da santa parecia subversivo numa sociedade que manda as mulheres fecharem as pernas.
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Até que um dia percebi que estava caindo nessa jaula da mulher contemporânea (apresentada como liberdade) , estava sendo apenas mais uma peça no jogo patriarcal. Porque o patriarcado tem armadilhas cruéis, formas muitas vezes não óbvias de nos escravizar. Essa é uma delas: fazer você achar que está sendo livre quando na verdade está servindo ao mercado patriarcal com seus orgasmos aos berros aprendidos na deseducação do pornô que só te levou a um lugar completamente distante do próprio corpo e de suas vontades reais.
O tantra me trouxe a consciência do sagrado do corpo, a potência da sutileza, do espaço interno que a troca sutil e o tempo lento trazem e, mais importante que tudo, a potência real que é meu corpo e o quanto saber conduzir as trocas (sexuais ou não) de acordo com meus reais desejos e tempos fazem com que eu tenha uma relação de amor e aceitação com meu corpo, entendendo que performar na cama (e fora dela) só leva a um lugar muito longe da própria potência e prazer. Hoje sei que mereço orgasmos poderosos, epifânicos, selvagens, vulneráveis. Mereço me sentir bicho, deusa, sentir que sou a natureza com meu corpo-templo que antes de mais nada é para mim e não para o outro. E quando te conto essa história, te trago uma boa inspiração para a entrega que vem da verdade e da beleza da presença. Porque talvez, como diz Nina Simone, liberdade seja mesmo a ausência de medo.