Sabe aquele estado de melancolia que pega a maioria das pessoas no finalzinho da tarde de domingo? Bate uma vontade de ter alguém para tomar um café, fazer um cafuné ou só falar aleatoriedades assistindo TV, né? Chama carência e, em alguma medida, já assolou todas nós. Mas antes de mandar um “oi, sumido/a” para aquela pessoa que você nem está tão afim, melhor entender um pouco mais sobre esse sentimento. Porque, ficar carente, todo mundo fica, a diferença está na forma como lidamos com ela. E isso muda tudo.
“Quem não lida bem com a carência tenta manter sempre uma proximidade excessiva”
Comecemos pelo básico: de acordo com a psicóloga Laís Rafaela, “Somos seres faltantes, sempre nos está faltando algo. Nos relacionamentos o estado de carência, significa falta de afeto”. O psicanalista Kalyton Resende, explica que a carência amorosa é uma manifestação de desejos e necessidades emocionais não satisfeitas e a incidência desse sentimento tem a ver com a nossa história. “Geralmente essas necessidades emocionais vêm das relações mais primitivas que temos, lá da infância. Essas primeiras trocas, suficientes ou não, norteiam todo o resto e como vamos lidar com essas insatisfações”, diz.
Segundo Klayton, sofrer negligência emocional na infância pode fazer com que o adulto sinta a necessidade de buscar, de forma recorrente, garantir o afeto do parceiro. É como se não fosse possível sustentar as pequenas faltas – que fazem parte de qualquer relacionamento. “É um medo excessivo de ser abandonado ou não ser suficientemente amado”, diz. E lidar com a carência vem de um repertório de vida.
“Se a pessoa é estimulada pelos seus cuidadores a falar o que está sentindo, a ter as necessidades emocionais preenchidas, vai criar uma bagagem para lidar com esse estado. Agora, se cresceu em um ambiente que não a valida e escuta, cria-se uma dificuldade de lidar com esse estado de carência emocional”, explica Laís.
É por isso que se sentir carente, num domingo solitário ou dentro de uma relação quando o parceiro ou parceira está ocupado, é normal. Mas se isso te desestabiliza completamente, e neste momento vem sempre uma sensação de abandono, é preciso um olhar mais cuidadoso. “A pessoa que não lida bem com a carência tenta manter sempre uma proximidade excessiva. E isso não acontece apenas em relacionamentos sexuais e amorosos, mas também com amigos e familiares, resultando sempre em comportamentos possessivos e ciumentos para tentar garantir que não seja abandonado”, diz Kalyton.
Quais as bandeiras vermelhas:
- Busca excessiva por aprovação e reconhecimento
- Dificuldade em estar sozinha
- Relacionamentos dependentes
- Alta sensibilidade à rejeição
- Comportamento controlador
- Medo recorrente do abandono
Segundo Laís, um dos sinais clássicos de carência emocional recorrente é a dificuldade de estar sozinho e emendar um relacionamento no outro. “A pessoa não se dá o espaço de viver essa espécie de luto, está sempre buscando suprir a falta o mais rápido possível”. Outro ponto trazido pela psicóloga é a forma como essa pessoa se enxerga, algo que passa também pela autoestima. “Algumas pessoas que se questionam se são merecedoras do afeto e chegam à conclusão de que não são, podem se submeter a relacionamentos ruins só para ter algum amor e suprir essa falta”, diz.
Encare a carência de frente
Nem pense que é melhor dormir pra deixar a carência passar. Fingir que o bichinho da carência não te picou ou tentar supri-la de maneiras esquisitas pode apenas piorar o quadro. Encarar esse sentimento de frente pode até ser um processo doloroso, mas é também libertador. “Primeiro, precisamos reconhecer a carência como um aspecto normal da experiência humana, e ao mesmo tempo ir criando ferramentas para gerenciá-la. Aceitar que é normal se sentir assim é o segundo passo, seguido por um trabalho para se aguentar sozinho. Se a gente acha que o outro sempre vai suprir todas as nossas demandas, há uma dependência aí, e pode ser bom buscar acompanhamento terapêutico” diz o psicanalista.
Segundo Laís, normalizar o nosso sentir é fundamental para lidar com qualquer sentimento difícil. “Quando vem um sentimento desses, temos a tendência de nos cobrarmos, o que acaba piorando o quadro. Quando a gente aceita o que está sentindo, mostra, pra nós mesmas, que podemos lidar com aquilo”.
Kalyton também aponta mais um caminho. “Gestar o tempo é importante, mas não estou falando de se ocupar ouvindo música, arrumando um programa ou lendo para não se ouvir. Estou falando de parar para se escutar, para se autoconhecer”. No início pode ser angustiante, mas depois, vira algo libertador.