Por que tem tantos millennials com burnout? - Mina
 
Seu Trabalho / Reportagem

Bem-vindos ao bug dos millennials

Por que a geração nascida entre 1980 e 1990 está tão suscetível ao burnout? A consultora de criatividade Thais Fabris faz a sua análise

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Praticamente toda semana recebo a mesma notícia de alguma amiga: “estou afastada do trabalho por burnout”. Eu mesma já fui a amiga que deu essa notícia nos grupos e isso foi no meu terceiro burnout. 

No primeiro, aos 25, eu estava fazendo um mestrado enquanto assumia meu primeiro cargo de liderança, ainda por cima era em outro país, sem maturidade alguma pra nenhuma dessas coisas. O que eu sentia ali, literalmente, não tinha nome. Não se falava em burnout no início dos anos 2000. 

No segundo burnout, aos 29, tinha passado por um assédio moral que me levou a pedir demissão com o sentimento de que eu “não estava dando conta”. Aliás, foi ali que a palavra burnout apareceu na minha vida pela primeira vez, descrevendo um estado de esgotamento mental, dificuldade em realizar tarefas e próxima a um estado de depressão. Jurei que nunca mais. 

Abri minha empresa alguns anos depois, mudei minha forma de trabalhar, passei alguns bons anos me preservando, mas a pandemia me engatilhou e me vi novamente no trilho que leva ao esgotamento profissional. Por que a gente é assim? 

Parece que a geração que sobreviveu ao bug do milênio agora está sucumbindo ao bug do millennial. Cerca de 47% dos millennials brasileiros se sentem ou já se sentiram esgotados por causa do trabalho, segundo pesquisa de 2022 da empresa de seguros Betterfly. E se estamos bugando coletivamente é porque esse, definitivamente, não é um problema individual.

Crescemos acreditando que quem dava duro tinha uma chance de “chegar lá”

Nós, millennials, somos uma geração nascida em pleno processo de redemocratização do Brasil, vimos o país vencer a hiperinflação, o real se equiparar ao dólar, o acesso à universidade ser democratizado, as mulheres e negros terem mais dinheiro no bolso e chegarem a posições de poder, os movimentos sociais terem conquistas importantes. Crescemos acreditando que quem dava duro tinha uma chance de “chegar lá” – sendo que esse “lá” significava conseguir uma vida estável, com acesso à moradia, alimentação, saúde, lazer, segurança e bens de consumo. O básico.

No nosso subconsciente, Xuxa estava o tempo todo cantando “tudo pode ser, se quiser será, o sonho sempre vem pra quem sonhar / tudo pode ser, só basta acreditar”. Só que o sonho não veio e nossa vida virou uma matrioska de crises econômicas, sanitárias, sociais e morais. Quando você pega uma geração que foi ensinada a glorificar a sobrecarga de trabalho e a coloca em um contexto de incerteza, pressões financeiras e hiperconectividade, o resultado é um prato cheio para o burnout. 

“Ser ‘empregado’ hoje não significa ter um bom trabalho, um emprego estável ou um serviço que pague bem o suficiente para tirar uma família da linha da pobreza. Há um desligamento alarmante entre a saúde ostensiva da economia e a saúde mental e física daqueles que a alimentam”, diz Anne Helen Petersen no seu livro Não Aguento Mais Não Aguentar Mais, sobre como os millennials se tornaram a geração do burnout. 

“Nós compreendemos o quão competitivo era o mercado, o quanto precisávamos diminuir nossas expectativas, mas também tínhamos certeza de que, se trabalhássemos o suficiente, triunfaríamos – ou, pelo menos, encontraríamos estabilidade ou felicidade, ou chegaríamos a algum outro objetivo nebuloso, mesmo que fosse cada vez menos claro por que estávamos buscando aquilo,” escreve. Para Anne, o “burnout acontece quando a distância entre o ideal e a realidade possível e vivida se torna grande demais para suportar”.

Um estudo da International Stress Management Association (Isma) revela que o Brasil ocupa o segundo lugar em número de casos diagnosticados. Três em cada dez trabalhadores estão esgotados (Associação Nacional de Medicina do Trabalho, 2019), ou melhor, foram esgotados pela forma como a gente trabalha. A situação é ainda mais grave entre as mulheres, principalmente as de grupos minorizados: 28% das mulheres e 38% das pertencentes a minorias étnicas declararam se sentir burnoutadas em uma pesquisa da Deloitte de 2023. E esse é um dos principais motivos que as levam a pedir o desligamento da empresa, chegando a taxa de 49% das que pedem demissão.

Além de estarem sobrecarregadas em seus trabalhos remunerados, mulheres nascidas entre 1981 e 1995 também são a chamada geração sanduíche, que, apesar do nome, não tem nada de gostoso: estamos esmagadas sendo as principais responsáveis por filhos pequenos e pais idosos. 

Para um problema coletivo, precisamos de soluções coletivas

O burnout ter sido reconhecido pela OMS como uma doença do trabalho em 2022 é uma conquista enorme, pois permite que as pessoas possam buscar tratamento e ter seus direitos respeitados após serem adoecidas pela forma que os ambientes de trabalho operam e a sociedade nos educa. Mas os dados mostram que estamos à beira de um colapso, com um percentual muito alto da população esgotada. Eu vejo no meu corpo e mente as sequelas que essa doença deixa. Na escala em que está acontecendo hoje, é inviável seguirmos a médio prazo.

Anne Helen Petersen, que entrevistou centenas de pessoas para escrever seu livro, aponta um caminho de luta coletiva. Primeiro, precisamos nos reeducar e aprender que nosso valor não é dado pela quantidade de horas trabalhadas, temos valor apenas porque existimos. Depois, escreve a autora, “temos que melhorar as coisas para todos. E é por isso que mudanças significativas e verdadeiras precisam vir do setor público – e precisamos votar em massa para eleger políticos que defenderão essas políticas incansavelmente”. Para um problema coletivo, precisamos de soluções coletivas e não podemos esperar a virada do próximo milênio para isso.

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