O conceito de bem-estar no trabalho tem virado um mantra corporativo, e com isso uma demanda se aquece: líderes que garantam ambientes emocionalmente estáveis e produtivos, mesmo diante dos desafios da atualidade. Recentemente, recebi uma solicitação de uma equipe de RH para uma palestra sobre como as lideranças podem cuidar da saúde mental dos seus times. Imediatamente, me peguei pensando: será que estamos esperando demais dos líderes e das empresas?

Estamos pedindo que líderes façam o papel de psicólogos, gestores de crises e mentores emocionais

Não me entenda mal. Existe uma linha clara entre empresas e lideranças tóxicas, que negligenciam ou prejudicam suas equipes, e líderes humanos, que, como todos nós, enfrentam desafios emocionais e sociais. O ponto aqui não é “passar pano” para o chefe que não está nem aí, mas reconhecer que muitos deles também estão sobrecarregados com expectativas impossíveis. Afinal, liderança também é gente.

Estamos pedindo que líderes façam o papel de psicólogos, gestores de crises, mentores emocionais – tudo isso enquanto continuam entregando resultados e lidando com suas próprias pressões. Não é difícil pensar que, ao exagerarmos nessas demandas, acabamos alimentando a cultura do burnout em vez de promovermos o tão desejado bem-estar.

Então, o que, de fato, estamos chamando de bem-estar no trabalho? Se o foco é criar um ambiente em que as pessoas se sintam seguras e apoiadas, é preciso repensar a divisão de responsabilidades. Sim, líderes precisam ser empáticos e atentos às necessidades de suas equipes, mas será que cabe a eles resolverem todos os dilemas emocionais do time? Ou estamos pedindo que eles sejam algo que ninguém consegue ser: invulneráveis e infalíveis?

Diferenciar o que é papel do líder e o que é uma expectativa irreal é fundamental para o bem-estar verdadeiro. Um líder tem a obrigação de ser justo, criar um ambiente de respeito e garantir que as pessoas tenham o suporte adequado – inclusive encaminhando para profissionais especializados quando for o caso. No entanto, depositar todas as expectativas nas mãos de uma única pessoa é um fardo que, a longo prazo, ninguém aguenta carregar.

Em vez de esperarmos que os líderes sejam tudo para todos, talvez seja hora de repensarmos o que significa bem-estar organizacional. Ele não pode ser baseado na idealização de uma liderança heroica. As empresas precisam oferecer estruturas que envolvam mais do que apenas a figura do chefe: políticas claras de apoio psicológico, equipes de RH capacitadas e, acima de tudo, acionistas e investidores imbuídos do mesmo propósito e salários justos, isso mesmo, segundo uma pesquisa do Data Senado de 2024, para 67% dos trabalhadores o valor do salário é o maior obstáculo para melhoria da qualidade de vida.

Muitas das demandas por bem-estar nas empresas estão ligadas a questões sociais mais amplas

Ao mesmo tempo percebo que chegou o momento da gente reconhecer que muitas das demandas por bem-estar nas empresas estão, na verdade, ligadas a questões sociais mais amplas que deveriam ser endereçadas pelo Estado. Saúde mental, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e segurança no emprego são tópicos que não deveriam depender apenas das políticas corporativas, mas de políticas públicas que garantam essas condições saudáveis. É claro que as empresas têm um papel fundamental, mas não podemos esquecer que certos desafios sociais e emocionais ultrapassam o ambiente corporativo.

No fim das contas, o bem-estar no trabalho é um esforço coletivo, não um peso individual. Líderes são fundamentais, mas eles também precisam de apoio. Se queremos ambientes saudáveis, precisamos ser honestos sobre o que estamos pedindo e para quem estamos pedindo. No final do dia, cuidar do bem-estar não é sobre ter respostas prontas, mas sobre ter coragem de, juntos, procurar soluções. Talvez seja hora de todos nós – líderes e liderados – assumirmos nossas limitações e restrições. O bem-estar só acontece quando entendermos que não vai dar pra ter tudo, nos aceitarmos seres humanos e com isso abrir o diálogo para construção de um ambiente de trabalho mais saudável, um dia de cada vez.