Nem sempre gostei de limpar a casa. Mas desde sempre eu limpo. E quando digo sempre, é sempre mesmo. Minhas memórias de brincadeiras mais antigas se confundem com as memórias das lavadas em algum dos cinco banheiros do lar onde cresci. E, lendo isso, você pode achar que cresci com muito dinheiro, num palácio cheio de banheiros, mas não era assim. A verdade é que minha mãe, traumatizada por ter crescido em residências que não tinham banheiro e por ter passado grande parte da vida tendo que utilizar buracos no chão para fazer suas necessidades, fez questão de incluir muitos banheiros quando construiu a própria casa. Acredito que uns dois anos de terapia para ela lidar com isso teriam resultado em uns três banheiros a menos pra limpar, mas o fato é que, na nossa casa, numa rua que nem asfalto tinha em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, havia cinco banheiros – e uma mãe e duas crianças para lavarem todos eles.
Tem gente que, para desestressar, faz exercícios ou joga videogame. Eu limpo a casa
Na minha casa imperava o papel histórico da mulher. Era da minha mãe a função de manter a casa limpa e organizada. Hoje sabemos que o ideal da casa sempre impecável tem em grande parte a função de nos manter ocupadas com a limpeza. Porque assim, o patriarcado garante que nós, mulheres, fiquemos atarefadas, cansadas e sem tempo para nos dedicarmos a outros assuntos que podem nos tornar “rebeldes”.
A minha questão é que eu sou uma mulher rebelde que AMA limpar a casa. É meu alívio, meu momento de meditação, o complemento da minha terapia, meu ritual de bem-estar. Tem gente que, para desestressar, faz exercícios, joga videogame, ou sei lá mais o que. Eu? Eu limpo a casa. Talvez isso venha pelos processos envolvidos na faxina me serem tão familiares. Desde muito nova fui extensamente exposta à rotina de afazeres domésticos. Talvez, exista alguma memória afetiva dos tempos muito bons em que limpar fazia parte da brincadeira. Seja qual for o motivo, o que sei é que me pego tendo prazer nisso.
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E o lugar que até hoje mais gosto de limpar, pasmem, é o banheiro. Esfregar milimetricamente os rejuntes com uma escovinha de dentes velha e água sanitária enquanto ouço a Maria Bethânia é quase que uma forma de oração. Uma curiosidade é que meu nível de felicidade é inversamente proporcional ao nível de limpeza do meu banheiro. Quanto mais triste eu tô, mais limpinho meu banheiro fica. Já cansei de lavar banheiro com essa mistura poderosa, feita de sapólio e lágrimas. Ele certamente sente falta da dedicação que dou só quando meu coração tá partido.
Mas nem tão ao céu, nem tão a terra, tá? Porque todo esse gosto pela faxina não se estende à louça e nem à roupa. Sou dessas que deixa a roupa esquecida no varal por dias. Não me cobro que minha casa esteja sempre perfeita, mas, a rotina de acordar e arrumar a cama, regar minhas plantinhas, passar espanador nos móveis (você tem um minuto pra ouvir a palavra do espanador eletrostático hoje?), passar o aspirador em tudo, lustrar os móveis que comprei com meu dinheiro e sentir, no final, o cheirinho de limpeza pela casa me faz muito bem.
Às vezes eu brinco que a função do ser humano no mundo é nascer, crescer, se reproduzir e limpar a casa até morrer e fico um tempo pensando em quantas repetições dessas atividades vou ter que fazer ao longo da vida – mas tem um monte de coisa que a gente faz sempre e para sempre, né?
Por aqui, faço assim: quando quero, limpo. Quando não quero, não limpo.
Mas quando tá tudo limpinho, me sinto muito melhor.