Economia do cuidado: o trabalho invisível que sobrecarrega as mulheres
Mulheres gastam mais de 61 horas com atividades não remuneradas para cuidar da casa e de quem vive nela. Angélica recebe Maíra Liguori, diretora da Think Olga, para refletir sobre isso.
Manter a casa organizada, limpa e cheirosinha e, ao mesmo tempo, zelar por quem vive nela. Esse tipo de zelo te soa familiar? É o que chamamos de economia do cuidado, uma força de trabalho fundamental na nossa sociedade. Está dentro dela qualquer pessoa que realize essas atividades todos os dias por décadas, seja na própria casa ou dos patrões. E é fácil de perceber que as mulheres são maioria nessa função – que é quase sempre mal remunerada ou nem sequer é paga. Para destrinchar esse tema, presente na vida de todo mundo, Angélica recebe Maíra Liguori, diretora da ONG feminista Think Olga.
“É um trabalho que acontece de forma invisível e contínua, que é nada mais que a manutenção da vida”
A economia do cuidado corresponde a 11% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, revela um estudo feito pela organização. Para se ter ideia, isso é mais que a agropecuária. Não é por menos, cuidar das crianças, idosos, pessoas com deficiência, preparar o almoço, fazer o supermercado, limpar e organizar a casa… Tudo isso entra nessa categoria. “É um trabalho que acontece de forma invisível e contínua, que é nada mais que a manutenção da vida”, diz a entrevistada.
Por estar quase sempre nas mãos de uma única pessoa da família, geralmente uma mulher, isso acaba gerando uma sobrecarga. “Traz muitos efeitos na nossa saúde mental, na nossa vida profissional, nas nossas relações, no nosso crescimento, mas a gente não consegue pôr em palavras”, destaca Maíra, que defende que a única solução é distribuir esse cuidado, com os homens atuando ativamente nessa economia. “Cada casal vai encontrar a sua forma de fazer isso”.
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Mas não é só dentro de casa que a mudança é necessária. “Precisa haver um debate dentro do universo do trabalho para os empregadores entenderem isso”, ressalta Maíra. Por exemplo, se uma mulher sai do escritório para buscar o filho doente na escola, todo mundo entende, mas não ocorre o mesmo com os homens.
Por outro lado, também deve haver uma valorização financeira da economia do cuidado, e alguns países já vem fazendo isso, como a Nova Zelândia. Lá foi feita uma lei que equipara salários entre os gêneros, levando em consideração também que funções consideradas femininas recebem menos. Ser mecânico de avião e a babá é complexo, a responsabilidade dos dois é grande, o conhecimento técnico é fundamental para ambos. Por que um recebe menos que o outro? Já o Chile, nosso vizinho, aprovou um orçamento com um olhar de gênero e, agora, mulheres que cuidaram dos outros a vida inteira vão poder receber aposentadoria. O que faz todo sentido. Segundo estudos da Think Olga, mulheres gastam cerca de 61 horas semanais com trabalhos não remunerados.
“O mundo só é como é, porque estamos em casa cuidando, em silêncio e sem receber por isso”
E pensando em valor de mercado, um dado alarmante é que a riqueza gerada pela economia do cuidado ao redor do mundo equivale 24 vezes à riqueza gerada pelo Vale do Silício. “E o poder está onde?”, indaga Maíra. Enquanto os homens estão nas posições de comando e enchendo os bolsos, as mulheres estão na base dando sustentação para isso. “O mundo só é como é, porque estamos em casa cuidando, em silêncio e sem receber por isso”, afirma a diretora.
De modo cultural, pensamos que amar é cuidado, o que não deixa de ser, mas o cuidado também é um trabalho essencial que merece mais atenção, respeito e remuneração que deveria. Como disse a filósofa Silvia Federici: “Isso que vocês chamam de afeto, eu chamo de trabalho não remunerado.”