Se você ainda não prestou atenção, anote: Rita Batista é um nome do qual você ainda vai ouvir falar. E muito. A jornalista de 45 anos que faz parte do seleto e ainda pequeno grupo de apresentadores negros ativos na TV brasileira, já cumpre expediente no semanal matutino É de Casa e está prestes a abraçar mais um desafio. Assim que for revelado quem será a nova âncora da atração no lugar de Astrid Fontenelle, Rita passará a integrar o sofá do programa Saia Justa GNT, cuja nova temporada está programada para este segundo semestre.
Original, inquieta, ela também é dada a escrever. Lançou há pouco A Vida É Um Presente, livro de estreia onde compila mantras que leva para a vida e ficaram famosos em suas redes sociais e, agora também fora dela: em apenas cinco dias, a obra vendeu 50% dos exemplares da primeira tiragem.
Mãe de Martin, de 6 anos, Rita Batista é mulher de opiniões fortes, que destila com excelência da palavra, uma inspiração direta dos avós, por quem foi criada. E, como quase toda mulher negra, tem uma relação íntima com seu cabelo.
Do joãozinho às tranças, passando pelos cachos e, mais recentemente, o grisalho – que ostenta com orgulho e nem pensa em pintar – ela conta, através de cinco imagens, momentos marcantes de sua vida.
“Cresci ouvindo Ataulfo Alves e botando roupa para quarar”
Soteropolitana, Rita nasceu em 1979, em uma família classe média pequena, num período ainda conturbado para o Brasil, à época na expectativa da redemocratização. A mãe, pedagoga, teve de se mudar para trabalhar em Camaçari, cidade do polo petroquímico baiano, e deixou a criação da pequena sob responsabilidade dos avós. Isso não a traumatizou, muito pelo contrário: as duas se viam sempre e Rita teve uma infância feliz, com brincadeiras na rua (era mestra em pular corda) com os amigos da escola e os primos. “Nossa casa era gigantesca, cheia de planta, cheia de gente, cheia de vida”, lembra. “Meus amigos achavam muito esquisito morar com os avós. Mas ser criada por eles me deu acessos diferentes. Cresci ouvindo Ataulfo Alves e aprendi a fazer coisas tipo preparar carne de sol, colocar a roupa para quarar e até tratar uma galinha”, lembra. “Hoje, parece inadmissível imaginar crianças exercendo essas tarefas. Mas pra mim, deu um enorme senso de responsabilidade.”
“Fui criada num lar de mulheres pretas obviamente ativistas”
Do avô, prático de farmácia, herdou as enciclopédias, a sabedoria e o poder da oratória. Da avó e da mãe, vários ensinamentos e a consciência racial. “Fui criada num lar de mulheres pretas obviamente ativistas”. Foi bem cedo, através da escola onde estudava, em Periperi, bairro na periferia de Salvador, que as primeiras noções de sustentabilidade entraram na vida de Rita. “Minha escola, a Eunice Palma, era uma escolinha modelo que já ensinava esses conceitos. A gente aprendeu compostagem no quintal da escola, botando a mão na massa mesmo”, diz ela, que hoje, mantém uma composteira em casa por influência de tudo o que assimilou na infância.
Através de festas temáticas, os alunos também tinham contato com histórias e culturas do mundo inteiro. “Tive uma professora visionária, a Sorinha, que também já abordava a educação antirracista. Me lembro de uma festa com o tema Café Colonial, em que ela falava dos costumes dos portugueses e de como eles se comportavam quando chegaram aqui, num clima tropical, totalmente diferente. E também sobre como se deu a escravidão e a abolição. No fim, sem saber, acabávamos discutindo assuntos sérios. Hoje penso que a escola já falava de ESG quando nem se pensava nisso”
“Apesar de não ser a menina mais cortejada, eu era inteligente, comunicativa e me jogava em tudo”
Na chegada da adolescência de Rita vieram também os bailes, as viagens com as amigas para Morro de São Paulo. Foi nessa fase que Rita se descobriu a garota mais popular do colégio, tanto com os colegas quanto com os docentes. Isso não a blindou de ouvir piadinhas racistas, mas ela não deixava barato. “Digo que todo mundo passou na minha escolinha antirracista. Quando começava com uma conversinha, meus amigos já diziam: ‘ih, lá vem Rita’.’
Quando se cansava dos colegas, Rita ia pra sala dos professores, com quem almoçava e conversava de igual pra igual. “Apesar de não ser a menina mais cortejada, eu era inteligente, comunicativa e me jogava em tudo. Nas feiras de ciências fazia uns experimentos malucos, que eram um jeito de chamar atenção dos garotos “, conta, percebendo que sua sexualidade começava a aflorar.
Foi nessa época que mudou o visual pela primeira vez, trocando os fios crespos e os penteados afro pelos cachos feitos com relaxamento. “Quando apareci na escola com o cabelo diferente, foi uma loucura. As outras meninas negras também começaram a usar o mesmo penteado, minha popularidade aumentou e eu comecei a ficar com muita gente. E foi algo novo porque, geralmente, os meninos sempre namoravam garotas brancas ou negras de pele bem clara, socialmente mais aceitáveis. Com as negras, só ficavam escondido. Claro que isso nunca foi declarado, mas comecei a perceber como esse negócio da beleza é um assunto sério.”
“Sou uma mulher preta, na base da pirâmide, mas sempre soube do meu lugar de privilégio”
A vontade de virar jornalista veio ainda na adolescência, por influência da apresentadora baiana Wanda Chase. O primeiro emprego foi na TV Aratu, em 2003. “Quando cheguei, a emissora queria ter mais gente preta entre os apresentadores e acabei sendo chamada para fazer o ‘Esperando o Carnaval’, um quadro de 3 minutos nos intervalos da programação.”
O sucesso foi tanto que o programa cresceu e ganhou cenário próprio, onde Rita recebia os convidados, como Beth Carvalho e outros. Dali, foi convocada a apresentar o Carnaval daquele ano e, por conta de seu profissionalismo, terminou o ano na bancada de um telejornal mais sério, onde falava inclusive de política. Mas como o Carnaval estava na veia, Rita acabou voltando para a área, desta vez no Band Folia.
Durante sua carreira, Rita lembra que sempre foi muito segura de si. Inclusive para rebater insinuações de que teria de alisar os cabelos porque “ficaria melhor” no vídeo. Mas ela nunca cedeu a esse tipo de pressão. “Eu era muito jovem, ‘foca’ total, e sabia que, caso fosse demitida, teria o respaldo da família. Sou uma mulher preta, na base da pirâmide, mas sempre soube do meu lugar de privilégio. Se eu estivesse em outra situação, teria cedido, mas é aquilo: em algumas situações a gente sabe quando avançar e quando recuar”, reflete.
“Chego ao Saia Justa com maturidade profissional”
Ainda que tenha opiniões fortes e seja direta, Rita não se considera indisciplinada ou raivosa, adjetivos comumente dados às mulheres negras. “Ser assertiva é uma característica minha de fato, eu sempre fui boa de fala e jamais vou perder a oportunidade de exercitar a oratória. Levo isso até hoje, inclusive para os haters. Acho até que isso me faz ser respeitada.”
Talvez tenha sido esse poder de comunicação que tenha contribuído para o convite para se juntar ao time de apresentadoras do Saia Justa, programa que já completa 22 anos no ar. Essa é sua terceira passagem pelo programa – em 2016 trabalhou como repórter, entrevistando mulheres pelas capitais brasileiras e voltou à atração em 2022 como convidada. Rita conta que a cadeira cativa no programa veio em bom momento. “Acho que chego com uma maturidade profissional, 21 anos de carreira, o programa tem 22. E sempre fui uma telespectadora voraz do Saia”, disse em entrevista ao UOL. “Por hora, só posso dizer que estou super na expectativa e louca para conhecer minhas coleguinhas”.