Era o começo de 2018, eu e o Renan Flumian (um amigo querido e bem próximo) estávamos solteiros e com 30 anos de idade. Numa noite de festa, conversando, começamos a imaginar como estaríamos dali a 30 anos, com 60. E assim, meio que na brincadeira, nasceu a primeira ideia do Acende a Luz – uma produção sobre sexualidade na terceira idade.
Uma busca rápida mostrou que, apesar de ser um tabu imenso, pessoas acima de 60, 70 e até 80 e 90 anos continuam transando, sim. Encontramos pesquisas falando do aumento de ISTs entre esse grupo (que acaba não sendo alvo de campanhas de conscientização sobre essas doenças) e outras que diziam como uma atividade sexual frequente melhora a qualidade de vida e traz diversos outros benefícios para o corpo e a mente de pessoas idosas. Estava decidido, se ninguém falava daquilo, nós iríamos falar.
Se a vida sexual de pessoas 60+ é um tema proibido, iríamos além. Iríamos mostrar esses corpos com peles enrugadas ocupando esse lugar inimaginável para eles: a tela – do cinema, da TV e do celular e do computador. Foi, inclusive, daí que nasceu o nome da série.
Nas entrevistas de pesquisa, entrevistamos uma mulher 60+ que disse que seu corpo “não cabia numa trepada de cinema” e que transava com seu marido (com quem está há mais de 40 anos) de luz apagada. Decidimos, assim, jogar luz sobre esses corpos e mostrar que eles podem ocupar o lugar que quiserem.
“De repente, vimos aquela mulher tendo um orgasmo na nossa frente”
Começamos rodando um curta na minha casa. A personagem? Isabel Dias, uma mulher que se casou com o primeiro homem com quem teve relações sexuais, permaneceu fiel a ele, mas descobriu, muitos anos de casada e três filhos depois, que ele a traía. Ela se separou, mudou para São Paulo e foi se descobrir sexualmente depois dos 60. Das experiências, escreveu um livro: 32, um homem para cada ano que passei com você. Isabel percebeu que achava “que tinha um banquete, mas não passava de uma marmitinha”, como ela costuma dizer (rindo, é claro).
Isabel foi fundo na missão. A primeira cena da primeira diária seria logo na cama. Terça-feira de manhã e estávamos lá, uma equipe toda testemunha da coragem de Isabel e Antonio, seu crush. Mas ela foi além. Em outra cena, agora sozinha, ela brincaria com o vibrador. Começou devagarinho, com a luz do quarto baixa e uma camisola estampada. E, de repente, vimos aquela mulher tendo um orgasmo na nossa frente. Eu não acreditava. Ela não estava fingindo.
Ela é tão livre e confiou tanto na gente que foi até o fim, até onde quis. Cortamos e saímos do quarto de fininho, pra ela recuperar o fôlego. Depois de alguns minutos Isabel sai do quarto rindo: “eu achei que nunca mais fosse conseguir olhar pra cara de vocês”. Olhou e seguiu. E continuou nossa parceira.
E é por causa da coragem dessa mulher que nosso curtinha feito na guerrilha ganhou o mundo e virou uma série de TV, que estreia nesta segunda-feira (02/10), às 23h30, no GNT. Depois do curta no mundo – na internet, era pandemia – e mais de 300 mil espectadores em um só fim de semana, escrevemos a versão série, mais ousada, com idosos do Brasil inteiro. E lá fomos nós, filmar outras pessoas que toparam dividir suas intimidades com a câmera.
Encontramos uma professora de pompoarismo de 72 anos, a Regina, que recebe comentários na sua página do YouTube do tipo “vai dormir, vovó! que feio alguém da sua idade falar disso!”. Ao que ela rebate, com ironia, desejando que a pessoa fique velha como ela, já que a outra opção é bem ruim… morrer jovem!
“Willman diz que sua parceira é ‘um furacão na cama’. Detalhe: elas têm 70 e 75”
Também encontramos casais juntos há mais de 50 anos que ensinam a manter aceso o fogo do desejo. E outros que se conheceram depois dos 60, quando achavam que a vida já tinha meio que acabado. No meio do caminho também cruzamos com a Willman que diz que sua parceira, a Angela, é “um furacão na cama”. Detalhe: elas têm 70 e 75. Também conhecemos o Luis, um homem trans de 62 anos que se sente privilegiado, já que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil hoje é de 35 anos.
Muitos deles dizem que não existe isso de “melhor idade”, que o peso dos anos vem mesmo e cobra seu preço, mas que é uma nova fase da vida, como todas as outras. Eu aqui, agora com 35, depois de um curta, uma série e mais de 20 personagens, só fico pensando que a vida não acaba mesmo depois dos 60 – e que bom!
Lembro da minha avó com 60 e poucos, ela era uma velhinha… E vejo minha mãe, hoje com 67, ela não é uma velhinha. É uma mulher viva, ativa, que encontrou um amor no Tinder depois dos 60 – mas que já se separou de novo e segue curtindo adoidada.
Em 2019, segundo dados da ONU, a população com mais de 65 anos ultrapassou os 700 milhões de pessoas. Nas próximas três décadas, dizem que esse número pode dobrar para mais de 1,5 bilhão de pessoas. A ciência, a medicina e a tecnologia têm prolongado a expectativa de vida e melhorado a qualidade dela, sem contar com os medicamentos que podem ajudar em diversas questões sexuais.
Aí tem site, aplicativo de relacionamentos e pessoas ativas ativas até o fim. E apesar de tudo isso, muita gente ainda acha que depois dos 60 a pessoa tem que sair de cena e ir cuidar dos netinhos. Por que, né? Pra que todo esse tabu? Com tanta vida e história bonita, chega a ser um desaforo.
Então, bora jogar luz sobre esses corpos e entender que papai, mamãe, vovô e vovó também transam e que corpos enrugados podem e vão, daqui pra frente, caber na tela da TV e do cinema. Eu, daqui dos 35, espero chegar lá com todo esse ânimo. Quando crescer, quero ser que nem todos esses personagens que encontramos pelo caminho.