O que fazer para não colapsar em um mundo que está claramente em colapso? A resposta mais curta é quase sempre ela: terapia. Apesar de não ser acessível ou infalível para todas as pessoas, o processo terapêutico pela fala tem se mostrado — há mais de um século — um ótimo exercício para promover resiliência, aliviar traumas e combater transtornos mentais em gente de todas as idades, crenças e perfis.
Diferente da ideia que se tinha até pouco tempo atrás, ninguém precisa estar doente para buscar terapia. “Basta ter vontade e disposição para o autoconhecimento. Quem tem boas ferramentas nesse sentido, passa melhor pelas crises naturais da vida”, explica Talita Fabiano de Carvalho, psicóloga clínica e conselheira do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Na verdade, o que move um processo terapêutico de sucesso é o desejo por uma vida mais saudável, mesmo que ela já esteja equilibrada.
“É preciso entender o que faz mais sentido na sua vida. Não tem certo ou errado”
Mas como embarcar nessa aventura de autoconhecimento da melhor forma? Essa é, provavelmente, a pergunta de um milhão de dólares. A oferta de abordagens terapêuticas é tão ampla que pode deixar indeciso até o mais resoluto dos seres humanos. Para Ingrid Gerolimich, socióloga, psicanalista e membra da Sociedade Psicanalítica Iracy Doyle, a escolha da melhor abordagem depende muito das crenças e visões de mundo da pessoa analisada. “É preciso entender o que se busca, o que faz sentido na sua vida e o que te deixa mais confortável. Não tem certo ou errado”, explica.
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As especialistas ouvidas nessa reportagem também ressaltam que as linhas terapêuticas nem sempre são rígidas ou seguidas à risca pelos psicólogos. As técnicas aplicadas, duração da sessão ou frequência de encontros podem variar bastante, apesar de o formato mais consagrado cientificamente ser a sessão de aproximadamente 50 minutos, uma vez por semana.
Carvalho lembra que, no cenário pandêmico, a terapia com sessões remotas se tornou mais um campo de atuação e tem funcionado bem, com algumas exceções: em casos que possam colocar o paciente em risco — quando o analisando trata questões envolvendo violência doméstica ou familiar ou quando ele é criança e não sabe se está sendo ouvido durante as sessões. Formatos híbridos entre a terapia presencial e remota também estão em alta.
É tudo igual?
Na verdade, nenhuma terapia é igual à outra porque nenhuma pessoa é igual à outra. Cada profissional acaba lançando mão de ferramentas de diferentes linhas filosóficas para compor o mosaico que pode ajudar o analisando a se conhecer melhor.
No Brasil, as abordagens mais populares são estas:
Terapia cognitivo-comportamental
Conhecida também como TCC, trabalha com a ideia de que, para mudar um comportamento, é preciso mudar um pensamento relacionado a ele. Focada em exercícios e soluções de problemas do “aqui e agora”, ela é muito procurada por quem tem objetivos práticos claros – como superar fobias – em um campo mais concreto e relacionado a necessidades cotidianas.
Psicologia analítica
Na abordagem de Jung, sonhos e imagens são a chave do processo. Usando esses elementos, o analista ajuda o analisando a encontrar as melhores respostas para seus dilemas pessoais. A dinâmica pode parecer um pouco etérea para quem não a conhece pessoalmente, mas o analista está sempre focado em fazer o analisando lembrar dos motivos que o levaram ao divã.
Psicanálise
Usando a técnica de livre-associação como elemento central, o analista conduz o analisando em uma investigação profunda do que vem à sua mente durante a sessão. Diferente da abordagem TCC, que utiliza exercícios práticos e é calcada em mudanças de padrões, o foco não é pensar muito sobre uma questão em si, mas observar o que o inconsciente traz para o consciente durante a sessão.
Psicologia transpessoal
Popularizada na década de 1960 e muito relacionada à contracultura, essa abordagem leva em conta outros estágios de consciência – e não somente a discussão sobre o sujeito ou o ego. Eventualmente, trabalha com a ideia de expansão da consciência para além do ego usando ferramentas como meditação e conceitos existencialistas.
Terapia Gestalt
Bastante focada no momento presente, pretende construir a responsabilização do indivíduo sobre suas próprias ações. Para isso, a interação terapeuta-consulente é uma peça fundamental de interpretação sobre como a pessoa analisada se coloca no mundo.
Terapias não oferecem cura, mas ferramentas para que cada um lide com seus problemas
A questão da nomenclatura é um ponto central para terapeutas e analistas. Quando se usa o termo “paciente”, isso pode indicar uma inverdade: a de que toda pessoa que procura terapia tem uma enfermidade a ser curada. Independentemente da linha escolhida, a maior parte dos profissionais da área evita o termo “paciente” porque considera que as terapias não oferecem cura, mas habilidade e ferramentas para que cada um lide com problemas cotidianos da forma mais tranquila possível. “A palavra ‘cliente’ também dá a sensação de que estamos em uma relação comercial, que não é exatamente o que a gente tem – mas acaba sendo mais condizente, uma vez que trabalhamos com alívio de sintomas e não com cura”, diz Gerolimich. Para Carvalho, o termo “pessoa atendida” é o mais democrático.
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Nem todos os psicólogos e psicanalistas trabalham com linhas rígidas de terapia. Muitos acabam mesclando diferentes saberes de campos como a filosofia, as artes ou a linguagem para ajudar o analisando a se auto investigar. Algo que é universal, por outro lado, é a pressa das pessoas para resolverem problemas que, muitas vezes, não têm soluções práticas.
“Vivemos em um mundo cada vez mais imediatista, e dá para notar que as pessoas estão cada vez mais inábeis para lidar com frustrações naturais, com algumas tristezas e situações que a vida vai nos trazer sempre. Então a gente precisa se relacionar de uma outra maneira também com isso para que possamos viver da melhor maneira possível, mas com o entendimento de que em diversos momentos da vida a gente vai ter desprazer e lamentos. Isso é normal e precisamos aprender a lidar com esses sentimentos de uma outra forma – não camuflando ou tentando de qualquer maneira tirar as dificuldades do caminho, sem passar ou lidar com elas”, defende a especialista, que acredita no sentir como o único caminho para transformar nossas dificuldades em algo melhor.
“Qualquer tentativa de terapia milagrosa ou medicação desnecessária gera experiências frustradas. Por causa dessa mentalidade, muitos profissionais que trabalham de forma leviana com questões sérias dos clientes acabam ganhando rios de dinheiro. Estamos vivendo uma cultura do não sentir, e sentir é fundamental para que possamos não só evoluir, mas viver de forma mais plena”, finaliza.