Tainá Müller: “Para mim, hoje, o sono é mais importante que a comida”  - Mina
 
Suas Emoções / Entrevista

Tainá Müller: “Para mim, hoje, o sono é mais importante que a comida” 

Tainá descobriu da forma mais dura que para ser várias, como ela gosta, é preciso saber relaxar. Nesta entrevista sincera, ela conta como saiu de um burnout. Fala também de culpa na maternidade, relacionamento aberto e da descoberta do prazer em ficar sozinha

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12 minutos |

Os últimos anos têm sido bons para Tainá Müller. Só na última década ela conquistou o que muitos gostariam: entrou em projetos aclamados pela crítica, se tornou rosto conhecido pelo grande público, protagonizou um projeto internacional, se casou e teve um filho. As realizações eram palpáveis, mas faltava algo. Toda vela que apagava, toda estrela cadente que passava, todo cílio que caía, o desejo era de algo que apenas ela poderia concretizar: dormir. 

“Fiquei seis meses direto sem dormir, acordando de 5 em 5 minutos, fritando de ansiedade na madrugada. Quando dormia meia hora em sono profundo me sentia no lucro”, relembra. Ainda que vivesse o que muita gente sonha, a linha entre o real e o onírico estava cada vez mais nebulosa. “Tentei de tudo, desde aplicativo para qualidade de sono até acupuntura. Nada resolvia”.  

Era pandemia, e Tainá estava gravando a segunda temporada de Bom Dia Verônica, série que entrou no Top 10 mundial da Netflix na lista de séries de língua não-inglesa e que a projetaria para a carreira internacional. Dentro de casa, o marido, o diretor Henrique Sauer, também voltava ao trabalho e o filho, Martin, de 7 anos, se acostumava com uma nova dinâmica online. O mundo tentava se ajustar ao “novo normal”, com filas para vacina, uso de máscara, medo constante. Caos.

“Não tem como sair ‘normal’ do que vivemos. E acabei sendo diagnosticada com burnout”, diz. “É até clichê dizer isso, mas é verdade. Acho que todo o planeta tá ‘burnoutado’. Tá burning, queimando mesmo, e com burnout”, analisa. A pausa imposta fez com que ela se encontrasse com uma velha conhecida: a Tainá de vinte anos atrás. 

Formada em jornalismo e com experiência em montagem de filmes e assistência de direção, Tainá gosta da vida atrás das câmeras, e resolveu se voltar mais para isso. Hoje, integra a montagem do documentário ‘Apollo’ e o time de roteiristas de um longa ainda em desenvolvimento. Como atriz, ela está para lançar dois projetos, a série portuguesa ‘Faro’ e o longa ‘Mariana’, de Paulo Fontenelle. Em breve, comemora 20 anos atuando. Pra quem não se lembra, seu primeiro papel foi no filme Cão sem dono, de Beto Brant e Renato Ciasca, em 2006 e com o qual já foi logo premiada.

A seguir a conversa sem papas na língua em que ela fala sobre maternidade, relacionamento aberto e prazer na solidão.

Você teve burnout durante a gravação da segunda temporada de Bom Dia Verônica. Como foi que você detectou isso?
Foi a partir de uma insônia. Comecei a sentir que o meu corpo tinha perdido a capacidade de dormir, de relaxar. Depois da pandemia, eu tava sempre em estado de alerta. Acho que todo mundo ficou um pouco assim depois da pandemia. Quando eu voltei a gravar a segunda temporada de Bom Dia Verônica todo mundo ainda tinha que usar máscara e fazer testes. A gravação foi híbrida e foi muito estranha a sensação de estar ali. Um trabalho tão intenso, com tanta entrega e vulnerabilidade, num lugar onde eu não conseguia nem ver o rosto das pessoas. Quando eu saí das gravações já engatei na peça Brilho Eterno de uma mente sem lembranças. Naquela época o meu marido estava trabalhando no Rio de Janeiro e eu em São Paulo com nosso filho [Martin, de 8 anos]… sabe quando acumula tudo?! No último final de semana da peça eu peguei covid não pude subir no palco. E aí realmente desequilibrou tudo. 

Qual foi o auge do desespero de não conseguir dormir?
Eu até pegava no sono, não era difícil. Mas eu começava a acordar logo depois. Acordava de cinco em cinco minutos. Não mergulhava no sono profundo, é como se eu ficasse só no raso. Meu corpo se assustava cada vez que eu acordava. E aí eu fui criando uma ansiedade. Quando me via acordada a ansiedade aumentava ainda mais e eu não podia ficar na cama. Comecei a ficar realmente assustada, tinha certeza que ia ter piripaque. Esse medo do piripaque foi me gerando um pânico, e foi acumulando tudo, foi virando uma bola de neve. Mas teve um lado bom também. 

Qual?  Por que parece desesperador…
Eu tinha uma espécie de insônia criativa. Fui colaboradora na dramaturgia da peça Brilho Eterno… e era de noite que me vinham as melhores ideias. Eu mesma ia me seduzindo pela minha criatividade daquele momento. Parece que meu cérebro ao invés de adormecer, brilhava. Só que daí a Dra. Rosa Hasan falou assim “você precisa botar na sua cabeça que a hora de dormir é a hora de dormir, não é hora de ter ideia, não é hora de resolver o problema do mundo”. Foi uma reeducação. E ela me ensinou também que se eu tiver insônia não é pra ficar desesperada. Se eu não dormir uma noite, tudo bem. Amanhã eu vou dormir. 

O que mata o amor é o sentido estático, ser regido por acordos vindos de fora para dentro

Além da doutora teve alguma coisa que facilitou o processo?
Eu estava sem fazer terapia há algum tempo. Sempre gostei da terapia, sempre achei importantíssimo. Mas fazia um tempo que eu tinha cansado. Às vezes eu canso de falar de mim mesma, começo a achar chato. Mas aí eu pensei “Cara, eu tô com alguma coisa e não vou conseguir sair disso sozinha”. Já fiz vários tipos de terapia: análise lacaniana, junguiana, mas dessa vez fiz comportamental. Acho importante quando você tá com problema específico, sabe? 

E como você está hoje em dia?
Hoje em dia durmo bem, graças às Deusas. Eu entendi que a coisa mais importante da vida é o sono. A nossa vida gira toda em torno do não relaxamento, né? A gente tá sempre produzindo ou empreendendo em si mesmo nas redes sociais. Hoje, para mim, o sono é mais importante que a comida. Você pode ficar sem comer, sei lá, por uma semana. Mas fica uma semana sem dormir para ver o que acontece.

O universo de Bom Dia Verônica é bastante denso. Os seus personagens, de forma geral, são bem fortes. Como você faz para não enlouquecer?
Eu acho que ser atriz é namorar um pouco com a loucura. A gente tá sempre se colocando num universo fictício no qual temos que acreditar não só com a mente, mas com o corpo. Acho que justamente por isso é que esse trabalho me salva da loucura. Por incrível que pareça, quando eu tô fazendo personagens mais densos, costumo ficar mais tranquila. É como se aquilo ali fosse uma via de descarrego.

Você passou uma temporada em Portugal para gravar ‘Faro’, onde faz uma portuguesa criada no Brasil que tem um lado obscuro. Como foi ficar longe da família?  
Eles foram me visitar por uma semana, mas o resto do tempo aproveitei tanto, mas tanto! Acho que nunca tinha ficado sozinha dessa forma, mesmo antes do Martin nascer. Me senti desfrutando, pela primeira vez, da minha própria companhia. Antes costumava não me sentir muito bem sozinha, mas aos 42 anos, depois do casamento, da maternidade, do burnout pude experimentar o prazer absoluto de  estar sozinha e sem culpa. 

Mãe longe do filho e sem culpa? Não acredito.
Sim, sem culpa! Sofri mais antes da viagem do que durante. Antes eu tava assim: “ai meu Deus, como vou aguentar ficar longe de todo mundo?! Ai meu filho, ai meu marido, ai minha casa”. Mas no meu primeiro dia de folga, que eu pude dormir até a hora que eu quis, que eu comi na hora que eu quis… podia sair andando pela rua sem dizer para ninguém onde ia. Foi maravilhoso! Sabia que o meu filho estava muito bem cuidado, falava com ele todas as noites. Lembro que eu saía para jantar sozinha e era como se fosse um date comigo mesma. Tomava uma taça de vinho, ficava olhando as pessoas, conversava com garçom… Acho que toda mãe que tem a oportunidade merece um tempo sozinha.

O que te ajuda a diminuir essa culpa que costuma rondar as mães?
Vi que meu filho fica muito bem quando eu tô bem. É uma conexão de mãe e filho mesmo. Uma coisa que aprendi desde cedo é que uma mãe feliz, faz um filho feliz. Essa culpa toda pode gerar frustração não só na nossa vida pessoal, mas no filho que jamais deve se culpar pelas questões da mãe. Eu faço questão de não ser uma mulher frustrada para o meu filho não carregar nenhum tipo de culpa por me demandar a atenção.

Você chegou a abrir a relação com o seu marido, o diretor Henrique Sauer. Como foi a experiência? 
Foi uma inquietude pós-pandemia. A gente tinha vindo de uma convivência intensa e  também foi bem aquele momento em que começou a se falar mais sobre essas novas possibilidades, né? A gente tá há 12 anos juntos e tivemos esse fluxo de abrir. Mas depois de algum momento a gente não quis mais. Mas sei lá, talvez, no futuro, a gente possa abrir de novo. O que mata o amor é o sentido estático, ser regido por acordos vindos de fora para dentro, não de dentro para fora. Eu achei difícil, ele também achou. Mas acho que foi uma experiência super válida. Valeu porque a gente entendeu que se ama e quer mesmo continuar juntos, pelo menos por enquanto. A gente tem realmente um plano de envelhecer juntos. Se a gente vai conseguir, não se sabe. Quem sabe, de repente, na terceira idade, a gente não abre a relação de novo?! 

Depois do burnout, me reconectei com a escrita, essa parte de mim que estava silenciada

Doze anos é bastante tempo, como vocês mantêm a saúde do relacionamento?
A gente tá sempre se reinventando, reinventando nossa relação, reinventando nossa família. Eu e eles somos geminianos, nosso filho é geminiano. Somos uma família de geminianos livres. Nós somos de personalidades livres por natureza. Acho que foi nesse ponto que a gente se encontrou. Eu não ia conseguir ter ao meu lado, construir uma vida comigo, uma pessoa com pensamento muito rígido. É uma questão de combinação mesmo. O Henrique e eu temos muita sede de captar o zeitgeist do mundo [termo em alemão que significa ‘captar o espírito da época atual’]. Acabei de fazer uma viagem bem cultural em Londres. Nas exposições eu ligava de vídeo para ele para mostrar o que estava vendo. A gente se alimenta muito intelectualmente e isso pode comportar inclusive novos modelos de vida, sabe? A gente é muito aberto para a vida, eu acho que isso é um ponto que nos une. 

Além da carreira internacional, você está com vários projetos…
Agora estou na etapa de montagem final e finalização do Apollo, é um documentário que mostra um casal trans, em que o pai está gerindo o filho. A gente tinha um corte, mas resolvi mudar. Em outubro vou entrar na ilha de edição e vou até o final do ano porque a gente tem que entregar até ano que vem. E também logo mais tem o lançamento do Faro, essa série que eu gravei em Portugal, além do longa ‘Mariana’, que é do Paulo Fontenelle, que fiz agora mês passado. Mas estou aberta para outras coisas, tá? 

Quais?
Como geminiana eu to sempre inquieta. Então, estou abrindo essa perspectiva como produtora também. Eu fiz faculdade de jornalismo porque gostava de escrever e já trabalhei muito atrás das câmeras. Já fui montadora, já fui assistente de direção, mas fui crescendo como atriz e dediquei muito tempo a essa parte da minha carreira… E depois desse burnout eu me reconectei com a escrita, com essa parte que estava silenciada. Agora eu to amando escrever. Vou colaborar com o roteiro de um filme, além de ser produtora e atuar. Também tenho, há mais de dez anos, os direitos da história da Hilda Hilst. Esse projeto é um sonho. Ele tinha ganhado até um fundo setorial, só que o cinema parou, a Ancine foi desmontada, e agora precisamos entender se falar de uma escritora é uma demanda do mercado. A gente tá vivendo um mundo de tanta superficialidade que eu não sei quando que o mercado vai se interessar em falar de Hilda Hilst, sabe? Mas tô amando esse processo de escrita, que é um processo de reconexão. É como se eu tivesse resgatando o meu eu de 20 anos atrás. E esse reencontro é lindo. 

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