Não posso afirmar que sou uma mulher com baixa autoestima, pelo menos não no campo profissional. Me recordo de um tempo em que, desprovida de consciência sobre o feminismo e suas lutas, pensava ingenuamente: “Se os homens conseguem, eu também consigo.” Coitada de mim, completamente desinformada sobre como o privilégio funciona, mas esse pensamento talvez tenha me servido, mesmo que inconscientemente.
Se eles usavam calça preta e blusa branca pra trabalhar, eu também podia. Sempre morri de preguiça de fazer maquiagem, então trabalhei muitos anos com pouca ou nenhuma – até começar a perceber que estava perdendo oportunidades por não me apresentar da maneira que esperavam de uma mulher. E assim fui travando.
Quando não estava me sentindo 100%, vinha sempre uma sombra de dúvida sobre a minha capacidade. Ao me conscientizar sobre as disparidades corporativas no que diz respeito à carreira de mulheres, “descobria” a tal síndrome da impostora e ela começou a me pegar de jeito.
Capacidade a gente tem, o que a gente talvez não tenha é a autoestima delirante do homem
Mas minha autoestima ainda estava lá, então em vez de me abater, decidi estudar e entender TUDO que podia sobre o que me perturbava. Primeiro para me sentir mais segura e com argumentos, depois pra saber o que tinha que fazer para diminuir meu medo. E diante de estudos que falam sobre homens e mulheres no mercado de trabalho, descobri que não existe isso de síndrome da impostora. O que existe é uma longa história de patologização da experiência feminina conforme as mulheres conquistam direitos e espaços.
O fenômeno da impostora foi identificado em 1978 de forma bem intencionada por duas mulheres. Anos antes, entre 1972 e 1978, o governo americano aprovou uma série de leis e emendas a favor dos direitos das mulheres. Então, no contexto em que o fenômeno da impostora foi observado, as mulheres estavam de fato passando a ocupar espaços profissionais que eram dominados por homens – logo, não é de se admirar que elas não se sentissem “dignas” desses cargos devido a um contexto social. Mas o que era chamado um fenômeno passou a ser nomeado popularmente de síndrome, patologizando um sentimento completamente legítimo dada as circunstâncias.
Quase 50 anos depois, esse não é o caso. Não é que as mulheres não se sentem capazes de ocupar determinados cargos, é que elas só fazem as coisas quando se acham plenamente preparadas. Por exemplo, quando falamos de vagas de emprego, as mulheres só se candidatam quando possuem 100% das características solicitadas. Enquanto isso, os homens já se arriscam quando têm 60% dos requisitos. Esse dado vem de uma pesquisa que o LinkedIn divulgou em 2019.
Ou seja: capacidade a gente tem, o que a gente talvez não tenha é a autoestima delirante do homem que o encoraja a arriscar mesmo não tendo plena capacidade para ocupar uma função. Eles simplesmente se arriscam e vão aprendendo as coisas no meio do caminho.
Essas descobertas me incomodaram, mas também me lembraram de situações da minha vida nas quais eu não me sentia completamente preparada e mesmo assim arriscava (principalmente na época que eu pensava que se os homens podiam, eu também podia). Fazendo uma análise geral, percebi que, na maioria das vezes, obtive sucesso. Foi então que criei minha própria regra: nos dias de insegurança, não dê ouvidos ao fenômeno da impostora. Segure na mão dos 60% e vai!
Quando sentir que está a 60% tenta, se candidata, lança no mundo. “Será que devo postar esse vídeo hoje?” Está 60% bom? Então sim. “Me candidato a essa vaga?” Você atende a 60% dos requisitos? Arrisque. “Peço uma promoção?” Você tem 60% do que é necessário? Vai lá. Sabe aquela brincadeira que o segredo de dar conta de tudo é fazer tudo mal feito? Também não precisa ir pro outro extremo, mas se tiver muita coisa, dá pra escolher só uma ou duas pra fazer bem e ir levando o resto na base dos 60%.
Sei que o mundo ainda é muito desigual e injusto para nós e também sei que a gente não arranca do peito nossos medos tão facilmente. Mas quando eles baterem em sua porta, lembre-se que você não está doente. O que existe é uma estrutura que não te estimula a se arriscar, quando for assim acione o modo autoestima delirante e se agarre aos 60%. Pode confiar. Apesar de deixar umas coisas em 60%, este texto eu escrevi com os meus melhores 100%.