Estar em uma relação amorosa é acomodar e alinhar vontades. O que comer? Que filme assistir? Sair ou ficar em casa? Transar ou conchinha? Quando se trata de sexo, a questão é mais complicada do que a escolha do delivery: depois da sintonia ardente e apaixonada típica dos inícios de relacionamento, os desejos de cada um tendem a se dessincronizar. Se nada mais é novidade e o cotidiano se instala, os desencontros na cama podem ficar mais frequentes, tornando-se um problema.
Pesquisas já tentaram padronizar o que seria a frequência sexual ideal para homens e mulheres – algo entre três vezes por semana para eles e duas para elas. Mas basta conversar com especialistas da área para a equação se mostrar bem mais complexa. Cada casal tem seu ritmo próprio e ele pode mudar o tempo todo. Para a terapeuta e pesquisadora Caroline Amanda (@yonidaspretas), a tentativa de normatização é “uma ditadura que reduz nossas vivências a expectativas sociais”. Educadora sexual e psicoterapeuta, autora de livros como “Sexoterapia – desejos, conflitos e novos caminhos em histórias reais”, Ana Canosa cita como exemplo casais de longa duração que estão super satisfeitos em transar uma vez por semana.
A verdade é que não há fórmulas mágicas ou cartilha pronta para uma vida sexual feliz. A padronização, inclusive, é uma grande inimiga do erótico. Deduzir que o que faz seu parceiro ou parceira subir pelas paredes hoje será igual no mês que vem só aumenta as chances de frustração e desencontro. Autor do livro ‘Por que amamos: O que os mitos e a filosofia têm a dizer sobre o amor’, o professor Renato Noguera diz que casais erram ao confiar unicamente em seus próprios repertórios individuais para lidar com a assincronicidade. “É uma armadilha crer que sem suporte, apoio e recursos irão enfrentar tensões sexuais. Por assim dizer, o erro é um tipo de narcisismo patológico que impede de enxergar os próprios limites”, explica ele.
O caminho para a reconexão requer trabalho e só acontece através da comunicação
Nessa história de um querer transar mais do que o outro, há apenas uma única certeza: que o caminho para a reconexão requer trabalho e só acontece através da comunicação. Para ilustrar, Caroline Amanda utiliza uma expertise da filosofia africana: o “exú do rolê”. “Exú é uma figura filosófica absolutamente poderosa, porque ele traz em si tanto a vagina, a vulva, quanto o pênis, o falo ereto, aquele que vai falar de comunicação e sexualidade em si. E o sexo é isso, comunicação e sexualidade constantes”, comenta.
Embora soe fácil, a comunicação é muitas vezes prejudicada pelo medo de magoar ou desapontar o parceiro. Ana Canosa atribui esse receio ao mito do amor romântico. “Envolvidas nessa ideia de que a gente tem que amar e desejar a mesma pessoa para o resto da vida, tememos comunicar o que gostamos para além do parceiro, com medo de perder o amor e todo o afeto construído”. Renato Noguera complementa dizendo que o mito propõe a fusão entre duas pessoas, “tal como se pensassem, sentissem e desejassem sempre na mesma direção”. Sabemos muito bem que, na vida real, não é assim.
Os desencontros na cama podem ser indicativos de muita coisa, inclusive de que algo está em desajuste na relação. Muitos casais tentam abordar a questão somente pelo viés erótico e acabam não chegando a lugar algum. “Em geral, são coisas mais somatizadas de fato, questões da relação, das convenções sociais que atravessam e pressionam a nossa psique”, constata Caroline Amanda. Ela também afirma que no caso das pessoas com sistema reprodutivo feminino a questão é ainda mais acentuada pelo puerpério e a maternidade, e que respeitar esses momentos em que o desejo sexual está baixo é inclusive saudável.
Tão importante quanto saber o motivo da falta de libido é conhecer onde mora o seu tesão
A queda da libido pode ocorrer por diferentes motivos, que vão da baixa hormonal a mudanças na rotina. Detectar a raiz da questão, passo crucial para resolvê-la, é responsabilidade do casal e não só de quem está menos a fim. E vale avisar aos mais fogosos que só insistir também não resolve nada. “A insistência dá uma sensação de pressão naquele que está com menos ímpeto. É por isso que a gente tem que falar de uma comunicação mais aberta, com mais foco na solução para tentar entender e tentar motivar como um problema do casal, e não de um problema de ‘você que não quer transar comigo’”, explica Ana Canosa. A educadora ressalta também que comentários irônicos ou piadas são péssimos atalhos para abrir o diálogo.
Ana faz a importante distinção entre o desejo espontâneo, mais comum entre os homens pelo alto e estável nível de testosterona, e o desejo responsivo. O primeiro acontece de forma natural, sem estímulo ou encorajamento, e o último nasce a partir da motivação. A diferença talvez explique a falsa ideia de que o homem tem mais tesão que a mulher. “É importante falar que há uma diferença. Não dá para a gente ficar dizendo que todo mundo é igual. Às vezes, você observa mulheres que amam fazer sexo e elas vão ativar o desejo responsivo direto. O fato delas amarem fazer sexo, se permitirem ter prazer, já vai funcionar como ativação do desejo. E você vai encontrar homens com um nível de testosterona dentro dos padrões, mas com pouco desejo sexual”.
Tão importante quanto saber o motivo da falta de libido é conhecer onde mora o seu tesão. E não é só a masturbação que tem papel crucial nesse sentido. Muitas são as técnicas indicadas por terapeutas ou até mesmo programas de TV. Para as mulheres, práticas como a observação da vulva através de um espelho, o toque gentil em si mesma ou até banhos de assento são ferramentas poderosas para essa descoberta. A partir da escuta do próprio corpo, é possível reconhecer os mecanismos do próprio desejo e não cometer o erro comum de terceirizar a responsabilidade pelo prazer. Se pesquisar, respeitar e experimentar direitinho, todo mundo transa.