Meu nome é Bruna Krug Lima, sou psicóloga e a apresentação que melhor descreve como me sinto neste momento é: moro em Canoas, no Rio Grande do Sul, uma das cidades mais afetadas pelas enchentes. Só isso deixa claro que não vivo um momento fácil. Mas, se costumo dizer que a sociedade parte meu coração, dessa vez, escrevo o contrário: é a ela mesma que está juntando as peças do meu coração quebrado.
Por aqui, tenho visto dia após dia a mobilização das pessoas. A ajuda, as orações de todo tipo de religião e espiritualidade, o apoio independente da posição política, além de grandes e pequenos influenciadores fazendo o possível para ajudar. Em tempos de lágrimas, luto por pessoas que partiram na tragédia e lares destruídos, ver a união das pessoas é – literalmente e metaforicamente – um bote de resgate no meio da enchente.
À essa altura, é inegável que todos os brasileiros foram afetados em algum nível. Estamos sofrendo juntos e tentando transformar a dor em ajuda dentro do que é possível para a realidade de cada um. Algumas pessoas perderam tudo, mas ainda assim encontram forças para ajudar quem está em uma situação muito parecida com a sua. Tem como duvidar da nossa humanidade diante disso?
Entendo que essa tragédia não nos ensina nada. É uma catástrofe e, em momentos tão traumáticos como esse, seria até desrespeitoso querer “tirar algo de bom”. Porém, quero destacar algo que precisa se tornar um marca-texto dessas últimas semanas: as pessoas podem nos surpreender.
Você sabe qual foi o primeiro registro de civilização humana? De acordo com a antropóloga cultural americana Margaret Mead, foi um fêmur curado de 15 mil anos encontrado em um sítio arqueológico. Se ele existe, significa que alguém cuidou dessa pessoa que estava ferida – e isso fez e faz da gente uma civilização.
O mundo se torna um lugar mais seguro quando lembramos que temos uns aos outros
Somos seres sociais e buscamos o pertencimento nos grupos, pois é neles que cuidamos e somos cuidados, aumentando assim a nossa expectativa de vida, entre outras coisas boas. E quando falamos em cuidado, podemos lembrar de compaixão, que é definitivamente a nossa habilidade mais bonita, pois significa a busca pela prevenção e alívio de sofrimento.
E em momentos de intensa dor, o que fazemos pode até parecer “enxugar gelo”, como ouço por aí. Mas a verdade é que qualquer ajuda agora é válida e as pessoas parecem estar todas tentando o seu melhor para aliviar e prevenir o sofrimento alheio. Estamos rodeados de compaixão.
O mundo se torna um lugar mais seguro quando lembramos que, independente de tragédias que possam vir a acontecer, temos uns aos outros. Somos uma civilização! A roupa que alguém do Rio de Janeiro doou vai ser usada por alguém do interior do Rio Grande do Sul. A água que um influenciador enviou vai ser tomada por inúmeras crianças nos abrigos aqui da minha cidade. As doações de rações que um grupo de pessoas de Minas Gerais mandou vão ser fornecidas a muitos cães e gatos resgatados. E por aí vai.
A mão que estendemos agora é a mesma que em outro momento pode precisar de uma ajuda. E mais uma vez repito: a nossa capacidade de amar (no sentido mais amplo da palavra) é o que nos fez chegar tão longe enquanto espécie. Então o mais importante de tudo é que a gente siga lembrando da nossa humanidade e que ela continue nos dando esperanças de um futuro onde a gente saiba e sinta que não estamos sós. Eu sempre acreditei na luz das pessoas e, mais uma vez, elas provaram que eu estava certa.