Lorrane Silva, a pequena Lô, nos diverte com sua espontaneidade e humor autêntico nas redes sociais, TV e plataformas de streaming. Formada em psicologia, a mineira teve que lidar desde os primeiros anos de vida com cirurgias e tratamentos devido a uma síndrome rara responsável pelo encurtamento de seus membros.
A condição, porém, não limitou o desenvolvimento de seu amor próprio. “Tenho autoestima alta desde criança. Me olhava no espelho, colocava acessórios estilosos… Adorava boina e usava muitas pulseiras”, conta. Lô destaca a importância da família e das amizades na construção do seu próprio valor. “Sempre me senti amada e acolhida. Senti que eu merecia uma pessoa que me aceitasse do jeito que eu sou caso fosse namorar, por exemplo.”
“Mesmo sendo uma criança com deficiência, me achava bonita”
A juventude foi um período de altos e baixos na autoconfiança, assim como a TPM continua sendo uma fase de maior vulnerabilidade, mas Lô diz que nunca chegou a se sentir ‘a pior pessoa do mundo’. “Eu já tinha isso comigo, de que eu era bonita mesmo sendo uma criança com deficiência. E a gente sabe que não é fácil construir a nossa autoestima, principalmente na adolescência.”
As diversas cirurgias a qual se submeteu a levaram a desenvolver síndrome de pânico e ansiedade. Quando ouvia falar de uma nova doença, Lô sentia medo de ser infectada e ter que passar por novos tratamentos. Para não se mostrar frágil diante dos procedimentos, ela reprimiu seus sentimentos, o que a levou a ter uma personalidade mais fria.
Não dar vazão às emoções também influenciou em crises de saúde mental na fase adulta. Em 2020, o início de sua carreira nas redes sociais trouxe satisfação, mas também pressão, sobrecarga, superexposição e críticas. Diante de tudo isso, Lô teve o que define de “combo de crises”. Burnout, ansiedade e síndromes da impostora e do pânico chegaram de uma vez. “Foi uma das piores coisas que eu já vivi porque é um pensamento de fracasso muito grande e justo em um momento tão feliz.”
Com tratamento psicoterapêutico, as crises estão sob controle. “É como eu digo: ‘medicada ela é ótima'”, brinca. Lô diz não acreditar estar totalmente curada, mas sente que convive muito melhor com os haters que surgem e passou a não conter tanto as emoções.
Aos 28 anos, mais madura e se conhecendo melhor, ela celebra a realização de sonhos como o lançamento do seu primeiro livro, ser capa de revista e apresentadora de TV. “Me sinto muito bem. A cada ano venho me amando e me cuidando mais”, diz Lô, que se tornou para si mesma – e para todas nós – a referência de pessoa com deficiência a qual nunca teve acesso nos meios de comunicação.
“Aprendi a falar antes de andar”
A habilidade de comunicação deu as caras logo cedo. “Aprendi a falar antes de andar. Isso é um fato”, diz Lô, uma das poucas da sua turma que entrou no jardim de infância já sabendo escrever. Do nada, ela soltava que escreveria um livro e apareceria na TV quando crescesse. “Tudo o que eu falei aconteceu. É surreal.”
A vaidade e o estilo autêntico também surgiram nessa época. Incentivada pela mãe, que a vestia ‘como uma boneca’, Lô fazia questão de deixar bem claras suas preferências sobre roupas, acessórios e penteados. “Meu cabelo é crespo e eu sempre aceitei ele assim. Minha mãe falava que eu era bonita do jeito que eu era e isso me ajudou muito.”
Desde seus primeiros anos de vida, Lô passou por diversos tratamentos e cirurgias devido à síndrome rara, que ainda não foi descoberta, responsável por seus membros serem curtos. Tentar se manter forte a cada cirurgia fez com que ela tivesse dificuldade de expressar seus sentimentos mais tarde. Lô também teve alergia a leite na infância e uma das crises quase a levou à morte. “O que me fez voltar foi a crença espiritual dos meus avós”, revela.
“A turma brigava para ver quem iria empurrar minha cadeira no recreio”
“Sempre fui popular e comunicativa na escola. Eu conversava com diretora e com as moças da limpeza. Conhecia não só o pessoal da minha sala como os alunos de outras turmas”, conta. Como não gostava de ver ninguém triste ou de cara fechada, logo soltava uma piada para descontrair, o que fazia muitas pessoas se aproximarem.
Até os 11 anos, Lô ainda andava. A partir dessa idade, uma cirurgia deixou seus movimentos inferiores comprometidos e ela começou a usar cadeira de rodas. Lô se perguntou se continuaria sendo querida pelas pessoas por ser diferente. E se surpreendeu com o tanto de apoio que recebeu, tanto da família quanto dos amigos.
“Será que as pessoas vão me querer?”
“Minha força sempre veio do meu cabelo. Quando ele estava do jeito que eu gostava, me sentia bem. Maltratado, eu me sentia péssima”, diz. Por tomar muitos remédios, os médicos já alertavam que Lô teria mais dificuldades para manter o cabelo saudável.
Os braços mais curtos também dificultavam na hora de pentear e arrumar, exigindo ajuda de outras pessoas. Ainda com as madeixas crespas, a mãe a auxiliava a fazer penteados diferentes e usar faixas. Mas, na adolescência, ela acabou optando pela maior praticidade do cabelo liso.
Lô diz que não passou pela fase de ficar melancólica nem de brigar muito com a própria aparência, como acontece com muitos adolescentes. Ainda assim, durante alguns dias, principalmente na TPM, ela se questionava mais.
“Quando você é adolescente, demora até cair na real de que é um ciclo e que naquele período vai ficar mais fragilizada. Tipo: ‘meu Deus, mas eu nunca fui desse jeito, de me questionar se eu sou bonita ou não, se as pessoas vão me querer porque eu sou uma pessoa com deficiência…’ São várias perguntas que surgem.”
“A gente saia quinta e voltava só no domingo”
A deficiência nunca foi motivo de limitação para o desenvolvimento pessoal da pequena Lô, que sonha grande. Aos 17 anos, ela decidiu mudar de cidade para cursar psicologia. Enquanto alguns de seus familiares acharam a ideia uma loucura, a mãe a apoiou.
“Foi uma das melhores épocas da minha vida”, conta. Com uma turma fiel de amigos, ela confirmou que era realmente da festa. “A gente saia quinta e voltava só no domingo. Eles tinham o mesmo ritmo que o meu. A gente aproveitou muito, muito, mesmo”, lembra.
Na república compartilhada com três amigas, Lô aprendeu a cozinhar e a cuidar de casa, que foi adaptada às suas necessidades. Ao se formar, ela se orgulhou de ter conseguido conciliar diversão e estudo. A psicologia ainda a ajudou no autoconhecimento e é útil em seu atual trabalho.
Lô sofreu situações de capacitismo, como quando um taxista se recusou a levá-la por causa da motinha que usa para se locomover – por mais que seja possível desmontá-la e transportá-la em qualquer carro. “Passei por isso e ainda passo, é triste saber que ainda existem situações assim”, lamenta. “Mas eu nunca deixei passar, sempre acabava me impondo e chamando atenção, o que deixa as pessoas bem sem graça e constrangidas”, diz ela, sobre ter sido alvo de piadas em algumas festas no período da faculdade.
“Nunca me achei feia, mas, com o megahair, me senti ainda mais bonita”
Em 2020, após dois anos sem fazer progressiva depois de ter sofrido intoxicação com o produto usado no procedimento, Lô decidiu buscar uma profissional para tentar uma transição capilar.
Porém, descobriu que seu cabelo teria dificuldade de voltar a ser crespo e que, por causa da sua vida corrida, a dedicação à transição seria comprometida. Como alternativa, a cabeleireira indicou o megahair. “Primeiro, achei uma loucura, mas, depois que fiz, achei maravilhoso”, diz. “Nunca me achei feia, mas, com o megahair, me senti ainda mais bonita.”
Hoje, além dos vídeos nas redes sociais, ela apresenta e comenta programas de TV e participa de filmes e séries. Recentemente, foi capa da revista Vogue. “Uma pessoa com deficiência em uma capa de revista… É um padrão que a gente tenta quebrar todos os dias”, diz. “Sou a referência que eu nunca tive.”
Outro sonho de infância realizado atualmente foi o de lançar seu primeiro livro: “Na dúvida, escolha ser feliz”, em que conta toda a sua trajetória para chegar até aqui e se tornar quem é hoje. “Sempre tenho feedbacks positivos de que ajudei de alguma forma com alguma vivência que conto nele.”