Paula Febbe: Do próprio luto ao recomeço - Mina
 
Seu Corpo / Textão

Do próprio luto ao recomeço

Após o susto de descobrir um câncer aos 30 anos, a descoberta do amor pela pessoa que se tornou: a escritora Paula Febbe conta sua história e dá a mão para quem passa por um turbilhão

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Este pode parecer um texto curto e rápido, mas saiba que demorei mais para escrevê-lo do que alguns dos meus livros. Foram seis anos até que eu, finalmente, estivesse pronta para contar essa história e abri-la para alguém além da minha família. Então saiba que o que você lê aqui é íntimo, quase um segredo, que deixou de ser segredo por entender que meu relato não só pode ajudar outras pessoas, como também serve como um grito de liberdade.

Com 30 e poucos anos, minha vida virou de cabeça para baixo. Eu, que achava que viveria apenas a vida usual de uma pessoa dessa idade, sem histórico de câncer na família ou problema de saúde, me vi tendo que passar por inúmeros exames, cirurgias e procedimentos dos quais não tinha conhecimento e nem sabia o nome. Não foi fácil viver tudo isso, mas trago essa história aqui porque percebi que elaborar o que acontece de difícil na nossa vida, com um olhar compartilhado, nos faz ter uma perspectiva singular da nossa própria verdade. Sei que a minha visão sobre o que era viver bem mudou e, como vencer essa batalha me fez sentir livre, entendi que minha escrita poderia ser um recado de força para quem precisa enxergar uma luz no fim do túnel.

Fiz o luto de quem fui antes de tudo acontecer e me apaixonei pela força que tive 

Talvez uma das coisas mais difíceis para um escritor seja viver algo que não sabe como começou e nem como vai terminar. Com 31 anos, tive algumas alterações nos meus exames de sangue. Ferritina muito baixa e um marcador tumoral, o CEA, mais alto que o normal. Minha ginecologista, muito atenta, achou estranho e pediu que eu fizesse um exame mais detalhado, chamado colonoscopia, o que, na época, considerei um ultraje, um exagero. Imagina… nunca havia tido histórico na família de nenhuma doença séria e sempre tinha sido saudável, então refiz os exames de sangue, e as alterações continuaram. Tive que seguir com a investigação.

É câncer

Entrei na clínica para fazer um exame, saí tendo feito uma cirurgia, o que não é usual. Acharam um tumor de 5 cm, pré-cancerígeno, que foi retirado no dia, na sala de exame, mesmo sem que eu estivesse em um hospital, o que me causou uma úlcera que me deixou de cama, imóvel, por uma semana. Qual não foi minha surpresa quando descobri, um ano depois, que o médico que me operou na clínica não havia retirado totalmente o tumor e ele acabou evoluindo para um tumor cancerígeno. Minha sorte foi ter encontrado um outro médico, que salvou minha vida e, através das mãos dele, sim, sobrevivi.

Depois de passar por inúmeras mucosectomias (processo pelo qual esses tumores são retirados, sem precisar fazer uma cirurgia mais invasiva), levou algum tempo para que eu percebesse que ainda estava viva. Durante aproximadamente dois anos, ainda tinha medo de tudo. Me via e me sentia alguém frágil. Acordava direto de madrugada e ia ao pronto-socorro achando que havia algo de errado comigo. No entanto, o tempo curou esse medo e me fez perceber que eu estava presente. Ainda estava aqui e, cada palavra, de cada médico que me acolheu durante aquele período, me fez mais forte; além da minha mãe, que foi a única pessoa que ficou totalmente do meu lado do começo ao fim do processo, sempre me incentivando. Então, entendi que não é apenas o que passamos durante um momento difícil que nos fortalece, mas as palavras que são ditas para nós enquanto isso.

Foi curioso, porque a melhor fase da minha vida aconteceu depois que vivi esse furacão, o que não acredito ter sido uma coincidência, mas algo de minha responsabilidade. Comecei a me importar com o que importava e a viver o que queria viver, sem pensar duas vezes, mas entendendo meus limites, o que me fez alguém mais consciente em relação ao próprio corpo. Comecei a me alimentar melhor e entender como cuidar de mim com mais carinho. Fui atrás das batalhas que queria lutar, pois o tempo havia se tornado precioso demais. Fiz o luto de quem fui antes de tudo acontecer e me apaixonei pela força que tive e por quem havia me tornado.

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Nesse processo de crescimento, aprendi a não deixar as coisas para depois. Me separei de uma pessoa que não me fazia bem, entendi que não desejava ter filhos e escrevi mais livros do que gostaria de escrever. Fui honesta sobre meus desejos e vontades, sem considerar o que a pressão social me dizia para ser, outra coisa da qual me libertei. Não havia como deixar que algo que não era um desejo intrínseco tivesse espaço na minha vida. Até o ato de comprar um sapato, um batom, uma roupa, decorar minha casa se tornaram mais importantes para mim, já que, durante muito tempo, era isso que queria: ter tempo de pensar, ver e viver coisas bonitas, e não me preocupar, todo dia, se iria sobreviver ao próximo mês. 

Se eu puder dar um conselho, aqui vai: continue respirando

Foi recentemente que comecei a dar nomes ao que eu havia tido, pois antes, acho que não queria nomear, mas percebi ser importante, para que pudesse ter a posse da minha história. Tive sorte de o câncer estar muito no início, a ponto de não precisar de procedimentos mais invasivos, e acho que foi um processo muito bonito me permitir dizer o que passei, sem achar que havia um fantasma sobre mim, que me deixaria preocupada e apreensiva o tempo todo.

Claro que sei que essa é uma batalha ganha dentro de uma guerra contínua, mas o que ela deixou para mim foi o presente de conhecer, através de algo completamente inesperado e difícil, quem eu sou e o que desejo. Se eu puder dar um conselho, aqui vai: continue respirando.

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