Luana Xavier: "escutei que deveria ter o corpo da Naomi Campbell se quisesse ser uma atriz bem sucedida" - Mina
 
Seu Corpo / Arquivo Pessoal

Luana Xavier: “escutei que deveria ter o corpo da Naomi Campbell se quisesse ser uma atriz bem sucedida”

Luana Xavier é uma atriz de sucesso, e se chegou a este lugar foi porque desbravou as dores do racismo e da gordofobia que permearam sua vida. Através de cinco fotos ela conta detalhes dessa batalha

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Criada na periferia do Rio de Janeiro, Luana Xavier descobriu cedo o gosto pelos palcos. Sua avó, Chica Xavier, atriz que protagonizou novelas de sucesso como Sinhá Moça e Cara & Coroa, a incentivava. Foi no terreiro de Umbanda dessa mesma avó que Luana passou grande parte de sua infância. Uma infância feliz, sem cobranças com relação ao corpo e com acolhimento no que dizia respeito à negritude.  

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Mas na juventude o vento virou. Os ataques racistas ficaram mais latentes e a cobrança por ter um corpo perfeito teve o efeito reverso: “Eu era uma criança magra, fui uma adolescente magra e me tornei uma adulta obesa. E esse processo se deu muito por conta da pressão da sociedade”, conta. Isso não a impediu de seguir uma carreira bem sucedida, com destaque para sua participação na série Sessão de Terapia e como apresentadora do Saia Justa, mas outras coisas lhe foram tiradas.

Aqui ela conta o exato dia em que, mesmo sendo uma adolescente magra, passou a se achar gorda por causa do comentário de um ator famoso e como conseguiu superar os anos de luta contra a balança para se tornar a mulher segura que é hoje. A seguir um pouco da vida, das dores e da superação de Luana Xavier, através de cinco fotos. 

Luana, aos 7 anos, e o irmão ao fundo, segurando uma câmera para filmá-la

“Eu imitava as entidades no terreiro da minha avó”

Luana se considerava uma criança tímida, mas, no espaço familiar, adorava aparecer. No verão, passava o dia inteiro de biquíni sem neuras. “Nessa foto, sou eu dançando e meu irmão, ao fundo, se preparando para me filmar”, conta. Como a família considerava perigoso que saíssem para a rua, os dois brincavam muito juntos. No terreiro de umbanda da avó, Chica Xavier (1932-2020), a brincadeira preferida de Luana era observar as entidades e depois imitá-las aos médiuns que as incorporaram. “No âmbito familiar, eu queria realmente colocar tudo para fora e ser aplaudida, que as pessoas gostassem do que eu estava fazendo.”

Aos 11 anos, ela começou o seu primeiro curso de interpretação para TV

“Ganhava prêmio de melhor atriz da agência todo ano”

Mal a adolescência começou e Luana já tinha certeza que seu destino era o palco. “Quando eu aprendi a escrever, uma das primeiras coisas que eu fiz foi criar o meu autógrafo, que continua muito parecido com o que uso hoje”, diz. Ela decidiu que o nome artístico teria obrigatoriamente o Xavier da avó. Mas morar no bairro de Sepetiba, no extremo oeste do Rio de Janeiro, tornava literalmente distante seu sonho de frequentar um curso de atriz no Tablado, em Copacabana, do outro lado da cidade. Foi quando uma agência passou a oferecer cursos de arte na escola onde Luana estudava. Ela se inscreveu no de interpretação para TV e, todo ano, ganhava o prêmio de melhor atriz da agência. Nessa época, ela já era muito alta e ficava por último nas filas, inclusive atrás dos meninos. Também era muito inteligente e tirava boas notas. Todo esse destaque acirrava situações de racismo na escola: em uma delas, uma colega branca chamou Luana e seus parentes de macacos.

Em uma viagem à Disney em comemoração aos 15 anos de idade.

“Me fizeram acreditar que eu era gorda”

Pouco antes da viagem à Disney, cenário da foto, um ator consagrado, amigo de sua avó, disse que Luana teria que ter o corpo da Naomi Campbell se quisesse ser uma atriz bem sucedida. “Foi uma porrada para mim. A partir dali, comecei uma busca por emagrecimento. Eu tinha só 14 anos”, conta ela. Na época, problemas menstruais a levaram a tomar anticoncepcionais, elevando o seu peso. Foi então que ela percebeu que, por mais que se esforçasse, não conseguiria chegar ao tal “corpo ideal”. Desistiu das dietas e dos exercícios: “aproveitei para comer igual americano: colocava cheddar em tudo”, diz. “O que me choca é que eu estava magra e me fizeram acreditar que eu estava gorda. O resultado é que hoje sou uma pessoa obesa com problemas de saúde em decorrência disso. Claro que não posso colocar a culpa desse processo todo nesse cara, mas o que ele disse com certeza foi um gatilho.”

Nos EUA, ela se encantou com as tranças e miçangas usadas pelas afro-americanas, reconhecendo sua beleza negra. Enquanto isso, na escola, nada de paquera. “Os meninos adoravam trocar ideia comigo e me contar quem eram as meninas por quem eles estavam interessados”, diz. “Era amiga de muita gente mas ninguém queria me pegar.”

Em 2008, aos 20 anos, na estreia de Dona Flor e Seus Dois Maridos no Rio de Janeiro, acompanhada por Ernesto Xavier, Chica Xavier, Bela D’Oxóssi e Clementino Kelé. (da esquerda pra direita)

“Eu vivi e ainda vivo a questão da solidão da mulher negra”

Luana foi aprovada para participar da peça Dona Flor e Seus Dois Maridos, que rodou o Brasil por mais de quatro anos. “As outras atrizes eram todas mais velhas do que eu e tinham muito essa preocupação com o corpo: descobrir novas diretas, fazer academia… Comecei a entrar nessa também”, conta. Luana emagreceu ao fazer dietas, como a da proteína, mas, quando olhava para o espelho, achava que ainda faltava perder mais peso e, depois, voltava a engordar.

Assim como a escola, a faculdade de Serviço Social que cursava na época não representou crushes bem sucedidos. “A primeira vez que eu lembro de ter me apaixonado realmente por alguém já foi com 26 anos, mas, infelizmente, não evoluiu para um namoro. Eu vivi e ainda vivo a questão da solidão da mulher negra”, conta Luana, que afirma nunca ter namorado.

Em 2018, em um ensaio nu, Luana começou a enxergar beleza no próprio corpo

“Existe uma diferença muito grande entre estética e saúde”

Entre dietas e tratamentos médicos, Luana emagreceu e engordou algumas vezes, no famoso efeito sanfona. Em 2018, estava obesa há alguns anos quando recebeu um convite para posar nua no projeto fotográfico Pele, de Bruno Rangel, envolvendo corpos diversos. “Eu não tinha coragem nem de sair com meu braço de fora, quanto mais de ser fotografada sem roupa!”, reagiu, até criar coragem de participar. O resultado transformou a relação com seu corpo. “O ensaio mudou minha vida, foi uma mudança de chave no entendimento de que existe uma diferença muito grande entre o que é estética e o que é saúde”, diz. “Eu realmente consegui enxergar beleza nesse corpo que está fora de qualquer padrão. Fiz uma reforma no meu apartamento e essa foto vai estampar uma das paredes.”

Acompanhada pela psicoterapia nos anos seguintes, ela entendeu que o que precisava mudar não era o seu corpo, mas o cuidado consigo mesma, se colocando em primeiro lugar. Nesse processo, passou a considerar a possibilidade de fazer uma cirurgia bariátrica. “Expliquei nas redes sociais que vou continuar sendo a mesma pessoa, dizendo que precisamos respeitar corpos diversos e que a sociedade tem que estar pronta para lidar com pessoas gordas, mas eu estou precisando emagrecer, minha saúde está pedindo isso.”

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