Consciência Negra é encontrar beleza na resistência
Ter ídolos pretos e fazer parte de coletivos ajudou Dandara ter autoestima, se sentir bonita e estar conectada com a própria ancestralidade
Demorei anos para me sentir bonita. Durante boa parte da minha infância e adolescência, a mensagem que eu recebia – direta ou indiretamente – era de que algo em mim precisava ser consertado. Meu cabelo não era “bom”, minha pele era “escura demais”. Não era só sobre o que eu via no espelho, mas sobre o que eu não via: pessoas como eu nas capas de revista, na televisão, nas propagandas. Minha existência era imperceptível, invisível e até mesmo descartada. E, no silêncio disso tudo, veio a dúvida: será que eu poderia ser bonita?
Uma experiência que não é exclusivamente minha, mas de muitas outras pessoas pretas. Algumas pessoas só começam a se enxergar como bonitas depois dos 30, quando já percorreram um longo caminho de autoconhecimento, de resgate da autoestima, de reconstrução da própria imagem. Foi assim comigo também. E foi nesse processo que entendi a importância de ter ídolos e referências negras. Porque, sem eles, a gente se perde.
Estar entre os nossos faz com que eu me enxergue por outros olhos
Lembro da primeira vez que vi uma foto da Dandara dos Palmares sendo celebrada como a guerreira que foi. Ou do impacto de ouvir as músicas da Elza Soares e perceber a força na voz de uma mulher que nunca pediu licença para existir. Lélia Gonzalez, Carolina Maria de Jesus, Angela Davis, Conceição Evaristo – todas essas mulheres me ajudaram a entender que a beleza não está só no espelho, mas no existir, na intelectualidade, na oralidade das ideias, no cantar e celebrar de tantas formas a nossa negritude. E, principalmente, na maneira como a gente se permite ocupar o mundo sem pedir desculpas.
Mas não foi só através dessas referências que comecei a me reconectar comigo mesma. Foi também nos coletivos, nos espaços de organização, nas rodas de conversa que me aquilombaram. Porque estar entre os nossos é me enxergar por outros olhos. É olhar para o lado e perceber que a gente é lindo de tantas formas: no cabelo crespo que desafia a gravidade, na pele que carrega as histórias de nossos ancestrais e no sorriso que insiste, mesmo quando o mundo tenta apagá-lo. Esses espaços me ensinaram que nossa estética é resistência. Que nosso corpo é política.
Hoje, no Dia da Consciência Negra, eu olho para trás e vejo o quanto essa caminhada me transformou. Vejo que Zumbi e Dandara lutaram para que a gente pudesse ocupar o mundo com orgulho, e que bell hooks tinha razão quando dizia que “o amor é um ato de resistência”. Amar a mim mesma, amar minha estética, amar minha comunidade – tudo isso é parte da luta.
Por isso, sempre que alguém me pergunta sobre o que significa o 20 de novembro, eu digo que é sobre memória, sim, mas também sobre celebração. É lembrar que nossa história é de luta, mas também de beleza, de força, de criação. E que estar junto, aquilombados, é o que nos dá fôlego para seguir. Que a gente nunca esqueça de se olhar com o carinho e o respeito que merecemos. Porque, afinal, somos todos lindos – e a gente precisa saber disso.