A cor do amor: as potências e múltiplas camadas do amor preto - Mina
 
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A cor do amor: as potências e múltiplas camadas do amor preto

Estratégia de resistência, cura, autocuidado ou bem-estar? Conversamos com casais afrocentrados e especialistas para entender os significados desse termo que tem se popularizado na internet

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O termo “amor preto” ou “afrocentrado” tem feito barulho nas redes sociais e empoderado casais para que usufruam do ato de amar para além do amor romântico, como uma alternativa de escape à lógica colonial e eurocêntrica, e sobretudo como defesa da saúde emocional.

Para entender a origem e relevância desse tema, é preciso olhar para trás. Historicamente, pessoas negras sempre estiveram cercadas de estereótipos, com os seus corpos hiperssexualizados e desumanizados. Vistos como massa de mão de obra, não acreditavam que eram dignas de serem amadas. Para elas, o afeto não era uma possibilidade tangível a ser vivenciada e sentida. 

O amor preto tem um poder de cura capaz de romper com a perpetuação de violências

Na contramão do ódio, da desigualdade e da violência que ainda hoje afetam o bem-estar das pessoas pretas, as palavras da escritora norte-americana bell hooks, em textos como ‘Vivendo de Amor’, destacam que o amor preto – ou seja, quando um relacionamento envolve duas (ou mais) pessoas pretas – tem um poder de cura, capaz de romper com a perpetuação de dores e violências.

Ancestralidade e resistência

Hellen Damas, psicóloga, mestranda em saúde pública e com formação especializada em relacionamentos amorosos, afirma que o racismo estrutural é um vetor que influencia desde o amor próprio à forma que as pessoas negras se relacionam com o outro. “Em uma sociedade que invisibiliza e desvaloriza a estética preta, por exemplo, o amor para as pessoas pretas é cheio de desafios”, pontua. A psicóloga destaca que, por outro lado, quando um sujeito negro se relaciona com um semelhante, é uma forma de aquilombamento. “É um espaço onde é possível fazer a manutenção da existência preta, de nós pra nós.”

Há mais de duas décadas juntos, a fotógrafa Sheila Brandão e o professor de inglês Sebastião Rodolpho, contam que se reconhecem pela dor, mas sempre estão ressignificando o modo de ser e estar um com o outro. “Nós nos apoiamos e choramos juntos quando necessário, e é neste lugar que nos colocamos enquanto um casal afrocentrado: o da permanência”, destaca Sheila.


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Já o atleta e modelo Éder Luiz e o biólogo e dançarino Gabriel Barco, que estão juntos há quase um ano, recorrem às ideologias ancestrais para cultivarem um amor afrocentrado. “Resgatamos os valores e filosofias ancestrais para a construção do nosso relacionamento. Nosso amor se manifesta enquanto um ato político revolucionário”, afirma Éder.

Para além desse resgate ancestral, o amor preto também passa pelo campo da autoafirmação positiva. Éder e Barco, como normalmente são chamados, dizem que o relacionamento deles é como um espelho. “Nos enxergamos um no outro, vem já os nossos traços de outra maneira, com mais cuidado, beleza, ao invés dos olhares racistas da sociedade sobre nós. Esse movimento traz autoestima para além da física”, conta Barco. 

O amor preto, assim, tem a premissa de se retirar do lugar de fragilidade para se colocar em um horizonte de potência e revolução. É um modelo de autocuidado político. Sheila aponta que a manifestação do amor afrocentrado também é uma defesa da saúde mental, sobretudo a das mulheres negras. “Em uma sociedade em que nossos corpos são constantemente silenciados, ter um espaço de escuta é uma forma de cuidado e de nutrir a qualidade de vida. Essa escuta tenho com o Tião, e esse é um dos motivos pelo qual estamos juntos até hoje”.

Mas se engana quem acha que esse processo se faz apenas de forma coletiva. Amor preto também é sobre plantar a sementinha do amor próprio e só assim cativar o próximo. O amor-próprio é, portanto, a base da prática amorosa preta. “Bem-estar, primeiramente individual, e a partir da relação com meu semelhante, olhar também para os pontos que são importantes para o bem-estar dele e com isso cultivar, incentivar, acolher”, destaca Gabriel.

Afinal, amor preto cura?

O processo de cura dói, inflama, cicatriza e depois também deixa marcas. Mas estar nessa caminhada com alguém minimamente semelhante, que sente na pele todos os anseios, é como se fosse um bote salva vidas, traz um sentimento de alívio, como apontam Éder e Gabriel.

Segundo Hellen, ao considerarmos que o racismo adoece e mata, o amor preto vem como uma linha de fuga, para concretizar a existência de pessoas pretas, contrapondo as teorias que visam o embranquecimento da população. Logo, “o amor é uma estratégia de manutenção da saúde preta”, explica.

A consciência fortalece o desejo de estar com o outro, mesmo diante das opressões

A psicóloga ainda reforça que, para vivenciar um amor preto funcional e curativo, é necessário que haja intenção. A intenção de ser respeitoso, saudável, seguro e consciente. Para Hellen, a consciência fortalece o  desejo de estar com o outro, que também é negro, mesmo diante dos ataques à estética, opressões e violências.

No mais, que fique claro: pretos e pretas estão se amando – e isso tem muita importância e significados. Para hoje e para os demais dias, o desejo é de que o amor esteja presente em todas as casas. 

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