O futuro é agora: "trabalhei usando máscara dentro de casa" - Mina
 
Nosso Mundo / Reportagem

O futuro é agora: “trabalhei usando máscara dentro de casa”

Trabalhadora da área ambiental, Julia conta como foram os últimos dias em Brasília e faz um alerta: eventos extremos trazem reações em cadeia e, sim, prejudicam a sobrevivência

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Não é novidade para ninguém a existência dos alertas sobre as mudanças no clima e o acontecimento de eventos extremos (grandes enchentes, longas secas, queimadas, etc). O que é sim novo é a velocidade com que isso vem acontecendo. O cenário é ainda pior do que a gente imaginava. Este ano veio para provar que agora as mudanças não são algo do futuro, elas já estão aqui. As enchentes e as secas chamam atenção, mas temos o impactante dado do IPCC (painel intergovernamental sobre mudanças do clima) de que o aumento da temperatura média em 1,5 grau que a gente esperava acontecer em 2040, já vem dando as caras desde o ano passado.

Cada vez mais é preciso votar em políticos que cuidam e protegem o meio ambiente

Na capital paulista foi registrada a pior qualidade do ar do mundo por cinco dias consecutivos. A Europa também está em chamas. E esse ano vemos mais uma vez uma seca sem precedentes numa das regiões mais úmidas e importantes do planeta. A Amazônia passa por uma seca ainda pior do que a do ano passado, com indício de que, se seguir assim, em breve veremos um desabastecimento. Porque, como a gente viu em Porto Alegre, uma enchente nunca é só uma enchente. Assim como uma seca, nunca é só uma seca. O que quero dizer com isso é que há uma reação em cadeia. Eventos extremos prejudicam a circulação, o plantio, a economia, a alimentação e, não é nenhum exagero dizer, a sobrevivência. 

Trago o exemplo aqui de Brasília, onde vivo com minha família. Há muito tempo, a gente não tinha um período tão longo de seca. Esse ano batemos mais um recorde. E, nesses últimos dias, vieram as queimadas. O fogo já consumiu 2,4 mil hectares do Parque Nacional de Brasília. E não é só aqui no Cerrado, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) indicam que o número de focos de incêndios em todo território nacional aumentaram 35% em relação ao mesmo período do ano passado.

Estes últimos incêndios, ocorridos no Parque Nacional de Brasília (uma das maiores unidades de conservação urbanas do Brasil) no início desta semana, foram muito significativos porque canalizaram a fumaça para a Asa Norte (área nobre da capital federal), entrou pelas janelas dos apartamentos e acordou as pessoas com a sensação de que estavam sendo sufocadas. Passamos dois dias usando máscaras dentro de casa, o que é recomendado já que o monóxido de carbono e outros materiais particulados em suspensão são muito nocivos para o corpo humano. Em grande quantidade, pode até matar. Minha sensação é que aquele futuro que parecia tão distópico estava ali, em mim, trabalhando sozinha do sofá de casa trajando uma máscara PFF2. Mesmo com as janelas fechadas, o umidificador e o ar condicionado ligados, a condição do ar dentro do nosso apartamento estava muito ruim. Algumas escolas cancelaram as aulas. Como eu disse, são reações em cadeia. Foi nessa toada que São Paulo teve a pior qualidade do ar do mundo durante cinco dias.  

Há duas semanas tivemos também um incêndio na Floresta Nacional de Brasília. E vocês podem se perguntar, mas de onde vem tanto fogo? Existem duas possibilidades: uma, fruto de causas naturais – geralmente iniciada por um raio e alastrada pelas condições de seca e vento – e outra que acontece de forma criminosa. Incêndios de causas naturais existem, mas em menor proporção. Os maiores problemas hoje são incidentes gerados pela ação humana, gente que queima pasto, faz fogueira ou até, como temos visto, ateia fogo intencional, motivado por conflito de terra ou a fim de causar dano a alguém. 

Quando somamos queimadas criminosas e dois helicópteros dos bombeiros militares em manutenção no período em que são mais necessários, a coisa se agrava. O governo do estado precisa se organizar para enfrentar as mudanças climáticas e entender que durante o período dos incêndios, os helicópteros devem estar apostos e o efetivo estar disponível. A população também tem sua lição de casa a fazer, cada vez mais é preciso votar em políticos que cuidam e protegem o meio ambiente. 

O futuro que a gente tanto imaginava, chegou. É preciso que todos entendam a gravidade do que estamos vivendo.                                  

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