A respiração, esse santo remédio - Mina
 
Seu Corpo / Reportagem

A respiração, esse santo remédio

Uma respiração consciente regula o sistema nervoso autônomo e os batimentos cardíacos, diminui insônia, sintomas de estresse, ansiedade, depressão e pode até proporcionar experiências psicodélicas

Por:
7 minutos |

Para dez de cada dez gurus de budismo, hinduísmo e taoísmo, em momentos de crise, antes de tomar uma decisão importante ou de entrar em uma discussão: respire com consciência. Uma sabedoria milenar que conta com o respaldo da ciência: hoje é consenso que uma respiração completa e coordenada tem o poder de baixar os batimentos cardíacos e os níveis de cortisol, o hormônio que, em excesso, gera estresse. A respiração completa também ajuda a regular o sistema nervoso autônomo, gerar estados de bem-estar e “clareza” mental. 

Acontece que na correria do dia a dia, a tendência da maioria das pessoas é ficar ofegante e nem perceber. “As pessoas dão pouca atenção à respiração e só lembram que precisam respirar quando ficam sem ar”, alerta a Dra. Lícia Zanol, membro da Comissão Científica de Transplante e Doença Pulmonar Avançada da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Segundo ela, os erros mais comuns são manter uma respiração encurtada, em que nem a inspiração nem a expiração se completam, ou uma respiração descompensada, incoerente, o que desequilibra os níveis de oxigênio e CO2 no sangue.

Pensamentos intrusivos (aqueles que ficam revirando na cabeça), taquicardia, distúrbios do sono, falta de ar e de disposição são frequentemente associados a quadros de ansiedade ou depressão, mas o que nem todo mundo sabe é que existem técnicas de respiração capazes de reverter esses sintomas. “É como se a respiração fosse um controle remoto das emoções ao nosso alcance 24 horas por dia e a gente simplesmente preferisse não usar”, aponta o coach em breathwork Felipe Marx. 

Quando somos acometidos por um imprevisto ou alguma coisa estressante, o coração acelera e o sistema nervoso simpático, aquele responsável por reações de luta e fuga, fica mais ativo. Enquanto um ciclo saudável seria de 12 respirações completas por minuto, a média nos grandes centros urbanos é de mais de 18 a cada 60 segundos, o que deixa o organismo constantemente em um estado de semi-alerta, inclusive durante o sono. Mas quando se tem uma respiração consciente, a tendência é diminuir os batimentos cardíacos, os sistemas simpático e parassimpático se equilibrarem e você abaixar “o volume” das vozes na sua cabeça. 

Com base nos estudos do neurocientista Andrew Huberman e no livro Respire – A Nova Ciência de uma Arte Perdida (Intrínseca, 2021), do jornalista, também norte-americano, James Nestor, Felipe desenvolveu um protocolo de respirações funcionais, ou Smart, como ele chama. Em sua plataforma online o assinante encontra dezenas de técnicas com finalidades específicas, como para ficar energizada, para estudar, para dormir ou para baixar a ansiedade, o caso da técnica de respiração coerente (abaixo). 

Felipe ainda é facilitador da respiração holotrópica, técnica desenvolvida nos anos 70 nos EUA pelo psiquiatra checo Stanislav Grof, que depois de décadas pesquisando terapias com substâncias psicodélicas teve seu trabalho interrompido pela Guerra às Drogas e a proibição do LSD. Baseado em 45 mil sessões de respiração, ele desenvolveu um método terapêutico no qual o paciente atinge os mesmos estados alterados de consciência proporcionados, por exemplo, pela Ayahuasca, incluindo as chamadas mirações. Se trata de uma inspiração e uma expiração de maneira acelerada, ao ritmo da música, sem ingerir nenhuma substância. Chega-se a diferentes estágios mentais tanto quando o cérebro está hiperventilado quanto quando ele está em hipóxia, com baixa concentração de oxigênio.

O psicólogo Álvaro Jardim implementou a respiração holotrópica no Brasil em 1997. Junto com sua esposa, a também terapeuta Dora Jardim, realiza retiros abertos ao público e orma profissionais de todo o país no Grof Legacy Training. Em um ambiente controlado, com piso emborrachado, móveis acolchoados e equipe qualificada, o participante faz sessões de três horas de respiração ao som de música evocativa, como mantras tribais. Terminada a respiração, vai para uma sala onde realiza testes projetivos (como desenhar as mandalas que apareceram) e depois passa por uma sessão de terapia para integrar a experiência. “É uma viagem de autodescoberta e transformação. A inteligência de cura está dentro de cada pessoa”, diz Álvaro, que realiza seu próximo retiro em setembro em São Francisco Xavier (SP). 

O simples ato de prestar atenção na respiração faz com que a gente passe a focar no que estamos fazendo, enquanto estamos fazendo, sem ficar remoendo o passado nem nos preocupando com o futuro. É a chamada presença, condição básica para se atingir um estado meditativo. Por isso o yoga é tão eficiente para exercitar a presença, pois além da atenção necessária aos movimentos, também trabalha o controle da respiração. A chamada respiração do fogo, um dos principais instrumentos da prática kundalini yoga, em que se inspira e expira rapidamente, só pelo nariz, também é capaz de elevar os estados de consciência. “É um efeito revigorante, tira cansaço, pode diminuir a depressão e, num plano sutil, traz clareza mental”, explica Juliana Menz, professora pioneira da prática de kundalini yoga no Brasil.   

A respiração inclusive é a âncora do mindfulness, ou atenção plena, um protocolo de oito semanas em que se exercita a presença sempre prestando atenção nos próprios pensamentos e sentimentos, ato que por si proporciona um respiro na mente, nos permite compreender a origem de cada emoção e assim “descolá-las” dos pensamentos. O sujeito passa a entender essa profusão de ideias como eventos da mente e não como verdades. Percebe que não precisa se envolver ou se identificar com tudo que passa pela sua cabeça, o que tem efeito positivo especialmente com pessoas depressivas, que tendem a ter ideações autodepreciativas. “Com a prática, a amígdala, [parte do cérebro] relacionada a comportamentos de luta e fuga, fica menos ativada e mais conectada com o cérebro racional”, explica o Dr. Marcelo Demarzo, professor de medicina preventiva e coordenador do Centro Brasileiro de Mindfulness, da Escola Paulista de Medicina da Unifesp. 

Como confirma a pneumologista Lícia Zanol, a partir da prática de inalações e exalações coordenadas, a tendência é que o ciclo respiratório entre no eixo por conta própria. Inclusive é indicado que se inale e exale sempre pelo nariz. Pela boca, somente em exercício com finalidades específicas.  Para casos extremos de dificuldade respiratória, a fisioterapia pulmonar pode ser mais apropriada. As práticas mencionadas nesta reportagem só não são recomendadas para cardíacos e gestantes. 

Respirações Smart

Três técnicas do protocolo de Felipe Marx que você pode fazer sozinha

  • Para desestressar

Faça duas inalações rápidas seguidas de uma longa expiração. Repita o procedimento de cinco a dez vezes  

  • Para equilibrar

Inspire lentamente durante seis segundos e expire lentamente também contando até seis. Programe o alarme do celular para apitar primeiro em um minuto, depois para dois, três, gradativamente, até conseguir manter a prática por cinco minutos

  • Para acelerar

Antes ir para o treino ou de qualquer situação em que você vai precisar ficar “sangue nos olhos”, faça o procedimento simples de inspirar pelo nariz e soltar rapidamente, começando em trinta segundos e depois aumentando para um minuto de prática

Quer saber mais? Programa Smart

Mais lidas

Veja também