Estudos dizem que o humano que vai viver 150 anos já nasceu. Mas o que estamos de fato fazendo com essa oportunidade? “Quantos dias. Quantas noites”, novo documentário da Maria Farinha Filmes, questiona se a sociedade está realmente preparada para esses anos a mais que já vivemos. Com falas impactantes de Alexandre Kalache, Ana Claudia Quintana Arantes, Sueli Carneiro e outras vozes potentes, o filme traz um panorama sobre o envelhecimento no Brasil e nos leva a pensar sobre a nossa própria conexão com o tempo e a idade.
A discussão se torna ainda mais importante depois dos dados divulgados pelo Censo 2022: Metade da população brasileira tem até 35 anos, e a outra metade é mais velha que isso. Em 2010, metade da população tinha 29 anos. Em 2022, o Brasil também registrou o maior salto de envelhecimento entre dois censos desde 1940. Em 2010, a cada 30,7 idosos (65 anos ou mais), o país tinha 100 jovens de até 14 anos. Agora, são 55 idosos para cada 100 jovens.
Dirigido por Cacau Rhoden e idealizado por Marta Pipponzi, são 91 minutos de um mergulho profundo sobre o ciclo da vida; relações geracionais; longevidade e finitude; vida e morte. Lançado no dia 12 de outubro, o filme segue em cartaz em 5 capitais: São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba e Brasília, e está disponível para assistir online no Itaú Cultural Play e no canal Drauzio Varella no YouTube (ambos gratuitos).
Aqui, algumas mensagens impactantes do longa.
Dados
- Em 2050, as pessoas idosas serão 1/5 da população do planeta (OMS – Organização Mundial da Saúde).
- No Brasil, serão 30% da população (Ministério da Saúde e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
- Após um novo aumento no desequilíbrio racial na longevidade, o Brasil pode levar quase 116 anos para que pretos e pardos tenham acesso às mesmas oportunidades que os brancos (Ifer – Índice Folha de S.Paulo de Equilíbrio Racial, 2022)
Frases que fazem refletir
“Se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente. Devemos viver o presente integralmente, intensamente, porque o presente nos compromete. O agora nos lembra quem nós somos e o que fazemos nesse mundo”, Daniel Munduruku, escritor, professor e ativista indígena brasileiro
“Eu sei que sou mulher, negra, periférica, mãe, atriz, que eu sou uma pessoa com deficiência. Eu não sou ativista. Eu preciso sobreviver. E se eu não sobreviver, vou sucumbir. São tantos os tais marcadores, que eu sequer iria existir neste momento. Então não é uma questão de escolha”, Mona Rikumbi, atriz e coreógrafa
“A pessoa não precisa ter deficiência para saber o que é capacitismo, não precisa ser negra para ter atitudes antirracista, não precisa ser velha para entender de idadismo”, Mona Rikumbi, atriz e coreógrafa
“Nossa sociedade é incapaz de prestar atenção no próprio tempo. A gente não respeita o envelhecimento. E o que isso significa em termos de habilidade de sobrevivência, habilidade de partilhar sabedoria na experiência de quem é mais velho”, Ana Claudia Quintana Arantes, médica e escritora
“A sociedade de consumo tende a nos fazer acreditar que aquilo que é velho não funciona, não é bom, não é necessário para viver bem, Ana Claudia Quintana Arantes, médica e escritora
“Precisamos ter uma forma de estar no mundo para além da nossa idade. O mundo que vem aí terá muito mais pessoas mais velhas do que mais jovens, então essa concepção de que você fica mais velho e fica inútil, vai fazer a vida do planeta ser inviável” Ana Claudia Quintana Arantes, médica e escritora
“Dizem que a pessoa que vai viver 150 anos já nasceu. Quais as condições que estamos oferecendo para ela viver?” Ana Claudia Quintana Arantes, médica e escritora
“Não precisa estar doente, não precisa estar morrendo de alguma coisa muito grave para dar valor a sua vida. Basta ter consciência da sua morte e que você respeite esse dia. Você precisa se preparar para estar vivo no dia da sua morte”, Ana Claudia Quintana Arantes, médica e escritora
“A melhor idade é aquela em que você está bem com ela. Pode ser aos 18, aos 50, aos 75 anos. Estamos, sem dúvida, ressignificando o que representa a idade”, Alexandre Kalache, médico, gerontólogo e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil
“Essa revolução sobre o que significa o tempo é muito recente. Estamos muito mais preocupados com o impacto da tecnologia do que com o impacto mais importante e mais revolucionário que é o envelhecimento rápido: o fato de o Brasil hoje ter 14% de pessoas com mais de 60 anos e daqui a 30 anos ter 31%” Alexandre Kalache, médico, gerontólogo e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil
“Vivemos em um país hedonista, em que o jovem é o padrão. Querer fazer com que isso dure é uma receita certa para se frustrar, porque é impossível”, Alexandre Kalache, médico, gerontólogo e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil
“Há milhões de brasileiros que estão envelhecendo sem um teto, sem comida na mesa e sem dinheiro para o mínimo. Por isso que a discussão do envelhecimento ativo está emaranhada com a discussão da igualdade social. Quando você tá excluído, mora longe, o transporte público é terrível, não tem acesso, não pode se divertir, não tem oportunidades de trabalho decente, a sua saúde vai embora”, Alexandre Kalache, médico, gerontólogo e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil
“Eu fiz um MBA, no Rio, onde uma pergunta de pesquisa me gerou incômodo: como era adoecer com uma condição ameaçadora de vida, no cenário da favela? Fora da favela eu sabia. Mas como era isso em um cenário, muitas vezes, intocado pelo poder público?” Alexandre Silva, líder da Comunidade Compassiva
“O envelhecimento e o fim de vida nas favelas é ainda mais desafiador. São cenas de guerra, de abandono, muita gente vivendo e morrendo sozinha. O Samu não sobe viela”Alexandre Silva, líder da Comunidade Compassiva
“Em 2050 a pirâmide populacional estará invertida. Teremos mais idosos do que crianças e jovens. E o que nós, enquanto política pública, estamos fazendo para cuidar dessas pessoas que a gente trabalhou tanto para que vivessem mais? Nós queremos acrescentar vida aos dias ou somente dias à vida?” Alexandre Silva, líder da Comunidade Compassiva
“Na roça, quando a gente é criança, não tem infância. A gente já nasce trabalhando. E o espelho que a gente tinha lá, era o espelho d’água. Eu fui começar a me enxergar depois dos 13 anos. No meu entender, eu nem existia para os outros. Começando pela minha idade, eu fiz minha certidão de nascimento aos 20 anos, quando vim para o Rio. Eu não sei se eu tenho essa idade. Mas eu tinha que ter um registro, eu tinha que existir. Quantos dias eu já passei? Quantas noites?” Maria do Carmo, voluntária na Rocinha Comunidade Compassiva
“Eu não penso na velhice. Não porque eu tenho medo da velhice ou da morte. Eu tenho medo da covardia do mundo” Marcos Venicius Barbosa, catador de material reciclável
“Surrupiar o tempo é a maior perversidade do capitalismo neoliberal. Nos rouba vida. O planeta não suporta mais essa predação”, Sueli Carneiro, filósofa e escritora
“Jovens negros são seres considerados descartáveis nessa sociedade. O desafio para eles não é o terror do envelhecimento, é conseguir chegar a uma vida adulta. O RAP cansou de cantar como certas pessoas se viam como um sobrevivente aos 27 anos de idade. Porque tinham rompido a barreira da estatística. É uma aberração. Não tem nenhuma guerra em curso no mundo que mate tanto como o Brasil mata seus jovens negros”, Sueli Carneiro, filósofa e escritor
“Conheci o câncer de mama aos 28 anos. Aos 32, quando eu já estava esquecendo todo aquele pesadelo de mastectomia, quimioterapia, radioterapia, descobri que estava doente de novo. Tinha metástase no fígado. E eu me dei conta que dali para frente a jornada seria longa e dolorosa. Nessa nova contagem do tempo, onde não media segundos, mas momentos, descobri uma vida repleta de profundidade. Mesmo nas situações mais críticas, era possível ver um bom sentido ali. Essa história não é sobre o câncer, é sobre viver, é sobre dançar com o tempo”, Ana Michelle Soares, ativista de cuidados paliativos
“Quanto tempo tem uma vida inteira? Será que tem a ver com o tempo cronológico?”, Ana Michelle Soares, ativista de cuidados paliativos