Quanto mais o tempo passa, mais percebo que tendo a levar muito a sério a vida, a rotina e os combinados com as outras pessoas. Talvez de um jeito acima da média, o que por bastante tempo fez com que alguns indivíduos (eu inclusive) me achassem chata. Afinal, por que levar tudo tão ao pé da letra?
Conforme fui amadurecendo, percebi que chatice é um conceito relativo e que muitos dos intitulados “legais” se metem em enrascada atrás de enrascada por falta de organização. Sempre se apoiando no famoso “tudo dá certo no final” que, na verdade, significa contar com a sorte ou saber que vai ter um “chato” que planeja tudo resolvendo para você.
No Rio de Janeiro (e em boa parte do Brasil), se você é pontual nos compromissos, vira motivo de piada – e é vista como chata. Programar o roteiro do dia a dia de uma viagem também pode te dar esse título. Assim como buscar ter uma conversa mais profunda em qualquer tipo de relação é tratado como DR. E quem gosta de DR também é classificado como? Chato. E por aí vai.
Pois bem, hoje quero propor um outro olhar e ressignificar essa “chatice” para “cuidado”. Não é uma questão de controlar o outro ou o incontrolável. Sim de entender a importância que as pessoas e situações têm na nossa vida e como isso nos impacta. Reduzir o sofrimento em um mundo que já é desafiador o bastante.
Por que eu vou deixar na mão da sorte algo que poderia ter sido cuidado?
Não se trata, por exemplo, de controlar cada minuto de uma viagem com uma agenda. Isso tira a espontaneidade que faz as viagens se transformarem em experiências. Mas tem coisas básicas que, se organizadas com antecedência, tornam a experiência mais agradável, como saber o dia em que algumas entradas são gratuitas ou avaliar quais atrações ficam perto uma da outra para evitar perder muito tempo em trânsito.
O mesmo vale para a vida em geral. Afinal, é muito ruim viver levando sustos o tempo todo ou resolvendo problemas que poderiam ter sido evitados com o mínimo de organização. Por que eu vou deixar na mão da sorte algo que poderia ter sido previsto, planejado e cuidado? Para mim, não faz sentido.
Fora que percebi que a irresponsabilidade dos outros afeta o meu bem-estar. Então, comecei a me conectar mais com pessoas responsáveis, que partilham dessa perspectiva. O grupo do qual me cerco hoje é tão responsável quanto eu. E eu nunca fui tão feliz. Sinto a segurança de que todas aquelas pessoas querem estar ali, querem estar juntas e vão estar lá pro que der e vier.
Não quero mudar, não acho errado ser como sou. Na verdade, vale muito a pena ser assim: nunca me endividei, tenho menos problemas do que a média das pessoas que conheço, e sinto que minha vida é mais harmoniosa por isso. Muita gente acha que liberdade é estar sempre metendo o loko. Não é mais libertador viver com tranquilidade?
O budismo diz que a gente passa a maior parte da vida tentando reduzir sofrimento e buscando felicidade, e que precisamos achar o caminho do meio. Outras linhas filosóficas vão dizer que viver é sofrer. Mas percebo que a gente também sofre mais do que o necessário por não cuidar de coisas “cuidáveis”. Acredito que seja possível encontrar um equilíbrio entre o que cabe ao universo, ao destino ou a uma força superior qualquer e o que é de nossa responsabilidade.
Se todo mundo fosse mais chato com horários e com o cuidado com o outro, será que não viveríamos melhor?
Talvez nesse equilíbrio esteja a diferença entre efetivamente deixar a vida fluir e contar com a sorte. Para a vida fluir em uma velocidade e direção mais auspiciosas, cabe a cada um de nós remover os obstáculos.
Entendo que exista de fato aprendizado no sofrimento (apesar de não gostar dessa ideia), mas também acredito que o cuidado coletivo é uma dinâmica fundamental para quebrar os ciclos que prendem a gente nessa dimensão tão dolorida e restrita como indivíduos e sociedade. Se todo mundo fosse um tiquinho mais chato com horários, agenda, dinheiro, compromissos, com o cuidado com o outro, será que não viveríamos melhor?
Fica aí minha chatice.